Os professores gritam socorro e o governo resiliência
Em coautoria com Dirce Zan*
O ano de 2020 está marcado pelo Covid19 e pela forma excepcional com que esse vírus colocou em questão as escolhas e os caminhos que a humanidade traçou até aqui. Em meio à turbulência que vimos atravessando desde março daquele ano, as escolas têm sido fortemente afetadas. Foram fechadas logo no início, e diferentes ensaios para sua reabertura foram feitos, até que em 2021, de formas as mais controversas, esse retorno tem se dado em diferentes estados e municípios. Essa ação ocorre em meio à omissão do poder público federal e, em muitos casos, de governadores e prefeitos que deixam a cargo de familiares e comunidades a tomada de decisão sobre essa retomada. Em outros casos ainda, governantes se submetem ao poder empresarial do campo educacional e liberam as escolas privadas para que ajam como acharem melhor, sem propostas concretas do poder público que garantam condições sanitárias adequadas para que estudantes, professores e funcionários possam retornar à escola e sem a definição do grupo de professores como prioridade na fase inicial da vacinação.
Todo esse movimento nos leva a questionar: será que essa chamada ‘nova normalidade’ expressa a naturalização de mudanças no mundo do trabalho e da escola, e que o confinamento virou espaço de testagem? Uma naturalização preventiva às possíveis resistências? Não temos resposta a essas questões, mas há alguns indícios que pretendemos trabalhar neste texto. No entanto, temos uma certeza: o futuro pós-pandemia está sendo desenhado agora!
A pandemia nos atinge num momento de grave retrocesso político e crise econômica que repercutem na definição dos rumos para a educação (ZAN e KRAWCZYK, 2019). Irrompe em meio a um conjunto de reformas trabalhistas que afetam as precárias condições de trabalho docente; a uma política macarthista de ataque aos professores; à escolha de seus materiais didáticos e aulas, que reforça um comportamento social de denúncia; ao aumento crescente das chamadas escolas cívico-militares, com foco no disciplinamento das futuras gerações e socialização nos valores conservadores de autoridade; a uma reforma regressiva do ensino, que desvaloriza a formação geral do jovem e aposta no retorno de uma formação profissional sem fundamentação científica e baseada na inculcação de valores e comportamentos que estão em sintonia com o discurso do “sucesso no mercado de trabalho”. Ao mesmo tempo, acelera-se a implementação de projetos curriculares voltados a desenvolver as competências[1] socioemocionais como estratégia para atingir os ideais de formação e, em especial, a difundir a resiliência como valor a ser cultivado para enfrentar o chamado ‘novo normal’ que se expressa em reformas educacionais compatíveis com os interesses do mercado de trabalho e com a captura da subjetividade em prol dos valores e dos interesses atuais do capital (Alves et al., 2009).
Nesse projeto, há uma clara intencionalidade de despolitizar a vida social e psicologizar a economia e as relações de trabalho e, diríamos nós, a formação escolar das novas gerações. Nesse sentido, podemos afirmar que cada vez mais se busca, através de discursos psicológicos e morais, a reeducação dos sujeitos com vistas à internalização da racionalidade econômica como a única forma de racionalidade possível.
A defesa da ênfase nas competências socioemocionais, não cognitivas, nas escolas está fortemente presente nos discursos de economistas, de fundações empresariais e de organismos internacionais. Desde 2011, por exemplo, o Instituto Ayrton Senna (IAS), em parceria com outras instituições, tem concentrado sua participação em consultorias e organização de fóruns, cursos e publicações destinados, principalmente, aos órgãos de governo estadual e municipal, com o objetivo de garantir a incorporação das competências socioemocionais nos currículos brasileiros. (Entrevista a ex-membro do IAS).
Uma preocupação importante, de lá para cá, tem sido divulgar o potencial dessas competências na vida dos estudantes e, particularmente, encontrar formas de mensurar suas repercussões nos estudos e em sua atuação profissional futura. Na reforma curricular de ensino médio, em vários estados, criou-se o recurso pedagógico de construção do “projeto de vida” como componente curricular e também como organizador da vida escolar. Dessa forma, segundo entrevista que realizamos com um ex-membro do IAS, a escola possibilitará ao estudante definir “quem ele quer ser”, identificar e desenvolver as competências socioemocionais para agir de forma exitosa.
Essas competências estão também presentes no documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e deveriam, segundo o MEC, embasar a reforma curricular de todos os estados brasileiros até 2020, travestindo a administração e o controle de emoções e sentimentos dos futuros trabalhadores em formação integral (Silva, 2018). Nesses documentos, a educação socioemocional parece ser compreendida como a aquisição do processo de manejo das emoções, a habilidade de saber lidar e redirecioná-las, de forma a fortalecer o indivíduo e a empatia com o outro. Algo que nos remete ao debate em torno da ideia de inteligência emocional – amplamente difundido nos anos de 1990 nas escolas (Patto, 2000 referido por Silva, 2018). Dessa forma, o objetivo é que “…os sujeitos compreendam seus afetos como objetos de trabalho sobre si tendo em vista a produção de ‘inteligência emocional’ e busquem a otimização de suas competências afetivas…”.
Ao ensino e avaliação das emoções
Diferentes setores (empresas, universidades, pesquisadores e organizações internacionais, entre elas, agências das Nações Unidas e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE) estão focados na identificação e na avaliação de tais competências. Têm como preocupação a sua mensuração objetiva e a possibilidade de serem ensinadas na escola. Em diferentes estudos, produzidos ou divulgados por esses organismos e agências, busca-se estabelecer uma correlação entre o êxito obtido em diferentes áreas da vida de um indivíduo – social, educacional, profissional e laboral (Santos et al., 2018)[2] – e a aquisição dessas competências (Santos & Primi, 2014).
As competências socioemocionais são definidas de diferentes formas, mas recorrentemente se referem a características individuais que incidem nos resultados socioeconômicos. Promovem o bem-estar individual, os bons relacionamentos com outros e o progresso nos estudos e no trabalho (Bassi et al., 2012; Golemann, 1995; IAS, 2013; OCDE, 2015). Podemos dizer que são um conjunto de traços de personalidade do sujeito valorizado, avaliado e mensurado de forma utilitária (Delvaux, & Mangez, 2008). Sendo assim, elas podem ser incluídas na avaliação internacional, possibilitando a comparação entre performances dos escolares e ampliando assim o universo de conhecimento que o PISA oferece (OCDE, 2015).
O teste Social and Emotional Non-Cognitive Nationwide Assessment (SENNA), desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a OCDE, é o primeiro instrumento brasileiro de medição, em larga escala, das competências socioemocionais dos estudantes a partir do ambiente escolar. Temos informação de que foi aplicado um projeto piloto em 2013 a 25 mil crianças da rede estadual do Rio de Janeiro e em 2015 a 105.594 estudantes do 1.º ano do ensino médio da rede estadual do Ceará (Paiva, 2014).
É sustentado no chamado modelo dos Big Five, também conhecido como Modelo dos Cinco Grandes Fatores. São cinco características de personalidade representativas das que um indivíduo possa ter em diferentes culturas, momentos e sociedade (Santos & Primi, 2014). Através do instrumento de mensuração SENNA, buscam-se as correlações entre as competências socioemocionais e o rendimento em matemática e português.
O modelo que tem sido adotado em estudos como os citados anteriormente tem sido também criticado pelo seu caráter imutável, estático e determinista, que outorga à personalidade humana ignorar o viés cultural e o evidente conjunto de valores presentes no construto, que leva certos traços a serem considerados como positivos e outros como negativos (Yee, 2005 citado por Smolka, 2015).
De forma similar ao PISA, o SENNA, que pretende se tornar uma avaliação em larga escala, pode ser analisado como um dispositivo que difunde um tipo de conhecimento com vistas a orientar e controlar a ação social. “Os instrumentos de ação social são portadores de valores, são alimentados por uma interpretação do social e concepções precisas de um modo de regulação visado…”. Cada instrumento “induz uma problematização particular dos objetos aos quais se aplica na medida em que hierarquiza variáveis e pode mesmo induzir um sistema explicativo” (Lascoumes & Le Galès, 2007 citado porCarvalho, 2011, p.15).
Ainda que na bibliografia sobre o tema não se encontre explicitamente uma hierarquia entre as competências socioemocionais, é fácil perceber, como o demonstraremos mais adiante, o destaque dado para a resiliência, principalmente nestes tempos de pandemia (Araújo, 2020; Novaes e Ramos, 2020). Ainda não existem técnicas para medir especificamente a capacidade de resiliência dos indivíduos, mas já há uma escala de resiliência validada na população brasileira (Angst, 2009) e outra em fase de validação, que listam e medem os níveis de adaptação psicossocial positiva. Esses investimentos em técnicas de avaliação e mensuração desmembram a personalidade de um sujeito e o próprio sujeito em componentes isolados, para supostamente ‘descobrir’ a fórmula para a aprendizagem.
Resiliência como Objetivo Educacional?
O desenvolvimento de competências e habilidades é um objetivo perseguido pelas políticas educacionais desde os anos de 1990. Em um outro contexto de crise econômica e crescimento do desemprego, a educação por competências ganhou espaço nas políticas públicas. Pautada pela noção de empregabilidade do trabalhador, a escola passou a ser compreendida como o local para desenvolver habilidades e competências que, na concepção dos formuladores de políticas, permitissem uma formação mais flexível e adaptável ao novo modelo de organização produtiva. Era o momento de o trabalhador se mostrar necessário ao mercado, ser criativo e inovar, diante de um contexto de escassez dos empregos formais (Ramos, 2006; Ribeiro, 2007).
Naquele momento de expansão dos princípios neoliberais, com a pretensão não apenas de reestruturar as esferas econômica, social e política, mas também de redefinir as próprias formas de representação e significação social (Silva, 1994), o currículo foi estratégico. No momento atual se vislumbra novamente uma supervalorização da psicologia que, de certo modo, fundamenta o documento da BNCC, e que está a serviço da mesma estratégia, ou seja, de negligenciar o caráter político da discussão sobre a qualidade do ensino. Como nos alerta Varella (1991), o recurso à psicologia ocorre principalmente em momentos de crise das instituições e, nesse momento atual, acompanhamos uma retomada da psicologização do espaço escolar.
Em busca de hegemonia, o projeto neoliberal se esforça por criar um lugar em que seja impossível pensar visões alternativas de sociedade, e a escola e, em especial, o currículo passam a ser estratégicos para esse projeto. Em um momento como o da pandemia, em que o governo tem feito a escolha pelo aprofundamento dos ajustes e das políticas neoliberais, vemos novamente ações que caminham nesse sentido.
O site Futura, da Fundação Roberto Marinho, publicou um texto intitulado “Competências sócio-emocionais em tempos de pandemia do coronavírus”, que se pauta pela convicção de que “os dias à frente são nebulosos e vão exigir uma enorme capacidade de resiliência…”. Essa é a introdução para apresentar opiniões de “especialistas, educadores e parceiros” (representantes de diferentes fundações e institutos privados), “que enxergam muitas possibilidades de desenvolvimento (das competências sócio-emocionais) não só para estudantes, mas para toda a sociedade” (Menezes, 2020 s/p).
Resiliência é uma noção que possui entendimentos diversos. De forma geral, é compreendida como uma habilidade que se caracteriza pela capacidade de um determinado sujeito ou grupo passar por uma situação adversa, conseguir superá-la e sair dela fortalecido (Angst, 2009; Taboada et al., 2006). Todavia, o campo da psicologia organizacional ou empresarial refere-se à existência – ou à construção – de recursos adaptativos, de forma a preservar a relação saudável entre o ser humano e seu trabalho em um ambiente em transformação, permeado por inúmeras formas de rupturas. Há pouco tempo ele começou a ser incorporado nas áreas de ciências humanas e, inclusive, no vocabulário corrente.
É importante ressaltar que a resiliência é vista, no campo da educação, como uma competência que pode ser adquirida na escola e permite ao jovem aprender a lidar com suas próprias emoções. Assim, de alguma forma, as chamadas competências socioemocionais acabam sendo fundidas nas caraterísticas de um indivíduo resiliente com maiores possibilidades de sucesso na vida e no trabalho.
Com a finalidade de contribuir com esse debate, apresentaremos, a seguir, argumentos que colaboram para a compreensão da presença crescente dessa noção no debate educacional. Parece-nos que a noção de resiliência vem ganhando um papel central há algum tempo, porém mais especificamente neste momento, em que tanto se fala na urgência de uma “nova normalidade”. O que está por vir é algo que nos assombra e preocupa, e nesse contexto de tamanha incerteza e pouca possibilidade de previsibilidade gera ainda maior ansiedade. São momentos como este que demandam de nós, pesquisadores, capacidade de análise para superar a aparência dos discursos e das práticas. Temos como hipótese a existência de um movimento crescente no campo educacional, que visa convencer-nos de que o melhor a ser feito neste momento é atuar para que crianças e jovens cultivem a resiliência como forma de se adaptar às mudanças estruturais que avançam sobre os direitos e a organização social.
Resiliência e Voluntariado no Trabalho Docente
Relatos do aumento de ansiedade e quadros depressivos passam a se fazer presentes também entre os professores. Esses profissionais tiveram seu ofício fortemente afetado pela pandemia. Em meio à adaptação a essa nova realidade mediada por computadores, tablets e celulares, eles sofrem pressão ainda maior quanto ao cumprimento de suas tarefas ou ao alcance de metas preestabelecidas. Diante da precariedade do acesso dos estudantes às tecnologias e das dificuldades que eles próprios possuem em relação a esse acesso, intensificam-se casos de adoecimento e stress.
A pandemia chega junto com a aprovação de reformas que impactam negativamente as conquistas sociais e trabalhistas dos servidores públicos. Embora políticas de valorização do magistério tenham sido aprovadas nos últimos 20 anos, é possível observar que o quadro permanece grave. Em relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado no início do mês de setembro de 2020 (Favero, 2020), os dados apontam que as condições salariais dos professores da educação básica no País estão abaixo da média estabelecida pela Organização.
Com a pandemia, as precárias condições de trabalho dos professores da Educação Básica, especialmente os que atuam no setor público, tornaram-se mais difíceis. Pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas[3] sobre condições de trabalho desses professores em tempos de pandemia ouviu profissionais que atuam nas redes pública e privada. Para o grupo que participou dessa etapa da pesquisa, desde o início da quarentena o trabalho tem se intensificado. Essa intensificação se soma ao aumento de participação ou de responsabilidades quase exclusivas pelo trabalho doméstico, principalmente entre as professoras.
Essa mesma pesquisa, com dados coletados nos primeiros meses da pandemia, demonstra a disposição das professoras e dos professores para buscar alternativas a fim de garantir a continuidade do ano letivo e as condições para a aprendizagem de estudantes. No entanto, a situação se agravou desde março deste ano, e as reais condições para essa manutenção foram se mostrando pouco possíveis.
Desconsiderando os dados da realidade com os quais tomamos contato neste último ano, permanece a insistência, por parte de governos e setores da sociedade e em reflexões oriundas da psicologia, para otimizar as “oportunidades” que o confinamento oferece. Entretanto, para que, como já indicamos, se mantenha a ‘normalidade’ da rotina escolar, é necessário que os docentes ponham à prova suas competências socioemocionais e criativas, sua capacidade de inovação e de adaptação; que adotem uma atitude flexível diante de todo esse contexto, enquanto para outros é um momento em que a tensão e a frustração os paralisam, sem possibilidades de se reinventar e adotar uma atitude flexível, que deixe “fluir suas destrezas e habilidades pessoais”. A responsabilização pelo êxito ou fracasso das práticas educativas durante o confinamento provocado pelo Covid-19 recai nos docentes, mais ainda na sua inteligência emocional. (Morales, 2020, p.2).
As plataformas de ensino remoto permitem também o controle individualizado do fazer educativo e de centralização das decisões, com forte potencial para obter diferentes e maiores informações das pessoas em tempo real. Tudo isso se torna bastante preocupante, diante do policiamento ideológico e das denúncias desenfreadas que hoje grassam nas escolas e nas universidades, com alunos e famílias apontando o dedo acusador para professores que expressem opiniões críticas ou para aqueles que simplesmente ensinam ciência. São tempos de proposição de revisão de currículos, dos livros didáticos, da criação de escolas regulares cívico-militares, transferindo a responsabilidade da unidade escolar para a polícia militar, anulando outros mecanismos democráticos de gestão das instituições, e tantas outras iniciativas de cerceamento que acirram a intolerância e a discriminação, afrontam o caráter democrático da escola pública, a formação universal e crítica dos estudantes e promovem a desvalorização da ciência.
Resiliência ou resistência – Algumas considerações finais
Como ressaltado anteriormente, a resiliência pode ser compreendida, de forma geral, como a capacidade do indivíduo em lidar com adversidades, superar pressões, obstáculos e problemas, e reagir positivamente a eles, sem entrar em conflito psicológico ou emocional. Tem sido, ainda, uma habilidade cada vez mais valorizada pela psicologia corporativa e adaptada aos objetivos desse contexto, uma habilidade central dos trabalhadores, porque contribui para aumentar seu desempenho e garantir sua fidelidade à empresa e, portanto, alcançar o sucesso. Assim, entra no universo educacional, seja na dinâmica do contexto institucional, seja no projeto de formação dos estudantes, como uma competência que pode e deve ser cultivada e aprendida na escola, para o sucesso escolar e para todo o resto da vida.
“A educação não pode parar” é parte de uma narrativa oficial que surge neste tempo de quarentena e que coloca crianças, jovens, famílias e professores na obrigação de aceitar que estamos vivendo “uma nova normalidade” (em realidade, uma falsa normalidade) e que há necessidade de seguir no ritmo acelerado e pragmático. É uma narrativa que reproduz e aprofunda a visão utilitarista da vida; que se recusa a ressignificar o tempo subjetivo e emocional, o tempo excepcional, o tempo presente e sua relação com o lazer. Dessa forma, vão se consolidando valores e comportamentos essenciais à nova/velha ordem capitalista.
No atual contexto, em que se aprofunda a crise econômica, e o Estado tem se omitido, tornando as condições de vida ainda mais difíceis para a maioria da população, investir em uma educação focada no desenvolvimento de competências socioemocionais e, em especial, na habilidade de resiliência, nos parece ser uma aposta em uma formação compatível com a adopção de um ‘novo normal’ e ‘inevitável’ contexto educacional, social e econômico, que em nada se compromete com transformações sociais significativas.
Durante este tempo de pandemia, os gigantes da tecnologia não demoraram a perceber uma nova janela de oportunidades, como o empresariado gosta de dizer, e não se omitiram em abarrotar de ‘soluções’ mágicas o poder público, os professores e as famílias, porque a “educação não pode parar” – o que também fortalece enormemente o mercado de educação a distância no longo prazo.
Ao mesmo tempo em que as famílias vivenciaram experiências que mostraram que a escola e os professores são insubstituíveis, acelerou-se o crescimento exponencial da indústria tecnoeducativa, de promoção do ensino hibrido[4], com o intuito de provocar uma reconversão dramática do processo educacional ao serviço do capital.
Esses são só alguns dos exemplos que resultam num verdadeiro assalto ao orçamento público e um ataque frontal à escola pública. Situações que nos fazem lembrar o que a jornalista e escritora canadense Naomi Klein chama de “doutrina do choque”, mostrando como, em diferentes lugares do mundo, se tem aproveitado catástrofes sanitárias, econômicas ou naturais para instaurar o “capitalismo do desastre” (Klein, 2010).
Diante da catástrofe que estamos vivendo, parece-nos importante refletir sobre suas possíveis consequências agora e no futuro. Se entrarmos pela porta que abriu a pandemia, não teremos porta de retorno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Na bibliografia sobre o tema, têm sido utilizadas, de forma indistinta, “competências” e “habilidades” socioemocionais.
[2] Por exemplo, a economista Miriam Gensowski, da Universidade de Copenhagen, apresentou sua pesquisa sobre a relação entre salário e personalidade, em São Paulo, no XI Seminário Itaú Internacional de Avaliação Econômica de Projetos Sociais, com apoio do Instituto Airton Sena, e revelou que traços de personalidade podem ter impacto na renda dos trabalhadores (Fetraconspar, 2014).
[3] Recuperado de https://www.fcc.org.br/fcc/educacao-pesquisa/educacao-escolar-em-tempos-de-pandemia-informe-n-1
[4] Em outubro de 2020 criou-se a Associação Nacional de Ensino Híbrido.
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