Michael Roberts trabalhou como economista por mais de 40 anos no Reino Unido e é ativista político do movimentos dos trabalhadores há décadas. Tem se dedicado a contribuir em estudos sobre as crises capitalistas e a teoria do valor em Marx. Escreve também em seu blog TheNextRecession. É autor de vários livros como The Great Recession – a Marxist view (2009), The Long Depression (2016), Marx 200 (2018), Engels 200 (2020), entre outros.
A lei da queda da taxa de lucro de Marx após a publicação do primeiro volume d’O Capital
05 de agosto, 2021 Atualizado: 19:10
O evento Global Marxism Online Talk, organizado pelo Social Sciences Korea (SSK), na Coréia obteve um importante número de apresentações e artigos a respeito da economia marxista. Na segunda rodada do evento, participei com a apresentação de um artigo sobre a economia do imperialismo moderno. Nesta mesma rodada, Hideto Akashi, da Universidade Komazawa (Tóquio, Japão) trouxe novamente para o debate alguns aspectos sobre a lei marxiana da queda tendencial da taxa de lucros, que eu gostaria de comentar.
Como é bem conhecido nos círculos de economistas marxistas, um dos principais acadêmicos de nosso tempo, Michael Heinrich, autor de um detalhado estudo sobre o Capital de Marx, argumentou que a lei da taxa de lucro teria uma falha lógica: em particular, que ela seria “indeterminada” visto que suas categorias-chave não demonstrariam que a taxa de lucro necessariamente deva cair. De acordo com Heinrich, “um incremento na composição orgânica em si não é um elemento suficiente para que se experimente uma queda na taxa de lucro”.
Além disso, Heinrich argumenta também que, em sua última década de vida, Marx “provavelmente” teria reconhecido esse aspecto, algo que o teria levado a abandonar essa lei como parte de seu arsenal teórico, bem como a retirar como um dos pressupostos de base de sua teoria das crises capitalistas; em seu lugar, Marx teria buscado desenvolver uma teoria sustentada no excesso do crédito. Ou seja, Marx teria colocado em questão sua própria formulação da lei e, a partir dos anos 1870, teria passado a considerar que o sistema de crédito estaria na base da explicação para as crises capitalistas. Nas palavras de Heinrich:
Essas dúvidas foram provavelmente ampliadas durante os anos 1870. Em 1875, surge um manuscrito abrangente que foi publicado pela primeira vez sob o título Tratamento Matemático da Taxa de Mais-valor e da Taxa de Lucro. […] logo se torna evidente que em princípio quaisquer tipos de movimentos são possíveis. Inúmeras vezes, Marx reconhece as possibilidades de incremento nas taxas de lucros, ainda que o valor-composição do capital tenha aumentado.
Quando Heirinch propôs essa crítica, diversos autores (eu incluso), responderam sua argumentação com firmes refutações que, em meu entendimento, procuravam rebater basicamente dois dos pontos centrais da proposição de Heinrich: em primeiro lugar, a indeterminação da lei da queda tendencial da taxa de lucro e, em segundo, um possível abandono pelo próprio Marx da lei e suas implicações. Ofereço, aliás, uma resposta bastante detalhada contra os argumentos de Heinrich de que Marx teria abandonado essa lei em meu livro mais recente, Engels 200 (p. 106-111).
No entanto, creio que os argumentos de Heinrich foram novamente debatidos no Global Marxism Online Talk, em particular, com a apresentação de Akashi. Em sua conferência, Akashi argumenta que o fator mais importante na lei da queda tendencial da taxa de lucro seria que essa taxa efetivamente caia e a quantidade total do lucro aumente enquanto, ao mesmo tempo, a composição orgânica do capital (por exemplo, pelo aumento dos adiantamentos em meios de produção em relação à força de trabalho) aumentaria. E, ainda, que embora existam alguns fatores contratendenciais, eles não seriam suficientes para determinar um aumento secular nas taxas de lucros capitalistas.
Akashi também argumenta contra Heinrich que após a publicação d’O Capital, Marx nunca teria abandonado seu entendimento sobre essa lei. Akashi toma como referência o acadêmico marxista Kohei Saito, que também rejeitou a interpretação de Heinrich e argumentou que até 1878, Marx ainda estava realizando estudos matemáticos sobre como a lei das taxas de lucro funcionariam. De fato, naquele ano Marx tentou integrar na sua teoria da queda tendencial da taxa de lucro, os efeitos das diferentes taxas de rotatividade do capital: Marx escreve, em 1878, um pequeno texto intitulado “Sobre a taxa de lucro, rotatividade de capital, juros e abatimento” (MEGA II/14, p. 697).
E, na realidade, ainda quando redigia o Capital, Marx já havia considerado antecipadamente vários efeitos da rotatividade do capital. Ele discutiu extensivamente essa questão com Engels, em 1873 (após a publicação d’O Capital), com objetivo de compreender como a rotatividade determinaria a duração do ciclo de rotação do capital fixo (Cf. Marx 200, p. 56-58).
Contudo, do ponto de vista de Akashi, a tentativa de Marx, em 1878, de demonstrar o impacto da rotação do capital na taxa de lucro não teria sido bem sucedida, razão pela qual Marx teria abandonado suas tentativas nessa direção. Em sua leitura, Akashi, considera que Marx deveria ter tentado adotar uma abordagem na qual primeiro conseguisse equalizar as taxas individuais de lucro em uma taxa geral e, somente então tentado aplicar os efeitos da rotação do capital sobre ela:
Eu suponho que Marx deveria ter lidado com as transferências de capital das indústrias com maior composição orgânica e menor velocidade de rotação para aquelas de menor composição orgânica e rotações mais rápidas e, então, deveria ter tomado a taxa geral de lucro como ela se apresentasse.
Uma vez que Marx tivesse chegado a uma taxa geral de lucro, se ele tivesse simulado a equalização dos efeitos da rotação do capital nessa taxa geral, então, ele teria sido capaz de verificar as transferências de capital das indústrias de menor para aquelas de maior velocidade de rotação.
Na realidade, tem surgido vários trabalhos de economistas marxistas com objetivo de incluir a rotação do capital nas coordenadas da lei geral do lucro capitalista. O próprio Engels começou a trabalhar nessa questão no Volume III d’O Capital (Engels 200, p. 99-101). Abordagens contemporâneas podem ser encontradas, tal como nos trabalhos de Brian Green, Peter Jones e outros. Maito, por exemplo, conclui que “ainda que (a taxa de rotação) não afete o sentido da tendência (de queda nas taxas de lucros), ela suaviza sua inclinação” – tendo como base seus estudos com cálculos dessas taxas na economia japonesa.
Mas, em minha perspectiva, o principal ponto é que, pelo menos até 1878, Marx ainda estava trabalhando com a lei da tendência nas taxas de lucros e buscando integrá-la em seus estudos sobre os efeitos das diferentes taxas de rotação na equalização dos lucros dos diferentes setores econômicos para chegar a uma taxa “social” média geral de lucros. Isso apenas confirma a perspectiva partilhada por muitos de nós marxistas, quanto ao erro cometido por Heinrich em relação (a) a que a lei marxiana seja indeterminada e que (b) Marx tenha abandonado sua própria lei após a publicação do primeiro volume d’O Capital – e, por consequência, que Engels nunca deveria tê-la incluído em sua edição do volume terceiro, quando o editou.