É nesse contexto que uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento (IRD), concluiu que as cidades com maior índice de informalidade também foram as que tiveram mais casos de contaminação e morte por covid-19.
De acordo com a pesquisa, uma elevação de 10 pontos percentuais no número de trabalhadores informais da cidade aumenta em 29% a taxa de contágio e em 38% a de morte.
As causas para tal correlação são múltiplas. Dentre os informais que trabalham em empresas de aplicativo (como Uber, Rappi e iFood), fatores que contribuem para este cenário são tanto a falta de distribuição de EPIs (máscara e álcool em gel) e a garantia de licenças àqueles que são ou que tem membros da família no grupo de risco.
Com a circulação desses trabalhadores sem tais garantias, não só há maior propagação do vírus, mas com o agravante de expor a contaminação os casos mais graves, que exigem internação, provocando os problemas de faltas de leitos que levaram diversas cidades ao colapso.
O constante contato com o público que a maior parte da informalidade exige também contribui para que a infecção esteja sempre na iminência. Por parte dos entregadores, houveram relatos sobre terem de atender pessoas sem máscaras e até mesmo adoecidas.
Esses relatos circularam nas redes especialmente na ocasião do breque dos apps, movimento que reuniu, em dois dias distintos, entregadores de todo o país (e de demais países da América Latina) contra os desligamentos, pela entrega de EPIs e aumento do repasse que recebem por corridas.
Não apenas os trabalhadores informais sofrem com as precárias condições de trabalho. A diminuição de suas rendas passou a ser dolorosamente sentida nesse grave momento de elevação dos custos de vida. Entre os entregadores, as demandas inclusive aumentaram, apesar da constante diminuição dos ganhos por entrega.
Leia também: O desemprego e as filas em aplicativos de entrega
A coincidência dos números de informais, desempregados e aqueles que estão trabalhando menos do que o necessário para se manter com o número de assistidos pelo auxílio emergencial é mais do que mero acaso: exprime as condições de manutenção da própria vida que a classe trabalhadora brasileira está enfrentando.
Trabalho e coronavírus
Essa explícita relação entre informalidade e contaminação/morte por covid-19, agora firmada nos dados da pesquisa realizada pela UFRJ e IRD, não é exatamente exclusiva de uma forma de (não) contrato de trabalho, sendo expressa também em algumas esferas do trabalho formal.
Um exemplo é o caso dos trabalhadores de frigoríficos. Em maio deste ano, o Ministério Público do Trabalho investigava por negligência e descumprimento das medidas de segurança empresas relacionadas a produção de carne em 11 estados.
As instalações, tradicionalmente muito fechadas e com baixa renovação do ar, contavam com pouco espaço para o trabalho, o que impedia a distância mínima exigida, além do barulho alto que exigia aos trabalhadores que gritassem para serem ouvidos — o que favorece que as partículas de saliva se espalhem no ar. Não obstante, em muitas cidades, principalmente no interior, os trabalhadores não residem na mesma empresa que trabalham, sendo deslocados em transportes coletivos geridos pelas próprias empresas.
Os relatos dos trabalhadores do ramo incluem omissão de informação sobre os casos de covid-19 entre os colegas de trabalho, em especial nos primeiros momentos da pandemia. À imprensa, a JBS chegou a mentir os dados referentes a contaminação em um de seus frigoríficos.
As alterações na estrutura dos frigoríficos é possível, tanto referente a possibilidade de manter o distanciamento quanto sobre a melhora na circulação de ar. Contudo, como são mudanças caras e consideradas situacionais, muitas empresas resistiram à adesão, sacrificando a saúde dos seus trabalhadores.
A infeliz conclusão da atual situação do trabalho na pandemia nos relembra que não há salvação pelos capitalistas. Seja na informalidade ou dentro dos contratos formais, a classe trabalhadora continuará sendo preterida em prol dos lucros.
E, se necessário que as condições de trabalho dentro da formalidade sejam rebaixadas, as pressões e negociatas tratarão de fazê-las realidade — assim como foi foi a reforma da previdência, as novas formas de carteiras e contratos de trabalho.
Mais recentemente, nesse mesmo sentido de rebaixar as condições de trabalho, a reforma administrativa, que reduzirá os últimos postos de trabalho mais estáveis e com menor precariedade que restavam, conduzindo a classe trabalhadora a ter que encarar ou a fome e a miséria ou condições cada vez mais insalubres de trabalho.
Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.