Análise aponta para “rachadinha” no gabinete de Bolsonaro na Câmara
Oscilação de salários foi intensa entre 1991 e 2018 no gabinete do presidente e de seus filhos
Por Helena Lima, redação do Universidade à Esquerda
06 de julho, 2020 Atualizado: 12:41
Rotatividade de salários no gabinete de Jair Bolsonaro
Um estudo dos boletins administrativos da Câmara dos Deputados, realizado pela Folha de São Paulo no último mês, revela uma intensa oscilação dos salários dos assessores contratados pelo Jair Bolsonaro enquanto este foi deputado federal, entre 1991 e 2018. O mapeamento de dados realizado pela Época, com base em Diários Oficiais e na Lei de Acesso à Informação, indicou a mesma rotatividade nos gabinetes dos filhos do presidente.
Enquanto deputado federal, Bolsonaro realizou 350 trocas de cargos dos seus assessores que resultaram em alterações salariais. Os salários duplicavam, triplicavam, quadruplicavam e depois eram cortados novamente. Das 110 pessoas que passaram por seu gabinete, 33 foram exoneradas e recontratadas com novo salário por mais de três vezes.
Estas rotatividades salariais indicam um esquema de “rachadinha”, ou seja, desvio de dinheiro público por meio da apropriação de parte da remuneração dos funcionários, dos salários e, neste caso, do recebimento da rescisão contratual quando os assessores eram trocados de cargo, sendo exonerados e recontratados no mesmo dia.
Esta prática foi proibida em 2003 pela Câmara de Deputados, sob o argumento de que era lesiva aos cofres públicos. Segundo o ato da mesa da Câmara 12/2003, as exonerações eram fachada e visavam o pagamento da rescisão contratual dos assessores, 13º salário proporcional e indenização por férias.
De acordo com a pesquisa da Folha de São Paulo, alguns deputados, que são responsáveis pelo controle de ponto de seus funcionários, deixavam de registrar as férias tiradas por seus auxiliares para aumentar o valor das rescisões na hora da exoneração.
Dessa maneira, a partir de 2 de abril de 2003, a Câmara passou a só permitir a recontratação dos funcionários depois de 90 dias da saída. Nos 12 meses anteriores à esta medida, Bolsonaro havia feito 18 trocas de cargo; nos 12 meses seguintes, o número caiu para sete, menos da metade.
Funcionários fantasmas
O caso da “Wal do açaí”
A Walderice do Santos, conhecida como a “Wal do açaí”, foi a recordista das movimentações de salário. Entre 2003 e 2018, ela passou por 26 trocas de cargo no gabinete do Jair Bolsonaro. Wal, no entanto, era uma funcionária fantasma; foi flagrada em 2018 pela Folha de São Paulo como vendedora de açaí em Angra dos Reis (RJ). Desde então, o Ministério Público deu início à uma investigação.
O caso da Nathalia Queiroz
Nathália Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, foi assessora de Bolsonaro por dois anos, entre 2016 e 2018, depois de atuar na Alerj entre 2007 e 2016. Ela também passou por duas oscilações salariais antes de ser demitida e, ao mesmo tempo que era contratada na Câmara, atuava como personal trainer no Rio de Janeiro.
A prática é comum na família Bolsonaro
A análise da Época demonstra a atuação conjunta entre os políticos da família Bolsonaro: Carlos, vereador desde de 2001; Flávio, deputado a partir de 2003 e agora senador; e Eduardo, deputado federal desde 2015. No mapeamento de seus assessores parlamentares, de que muitas vezes compartilham, a prática de rotatividade de salários se destaca.
Dentre as 286 pessoas nomeadas em todos os gabinetes, 61 assessores tiveram seu salário reduzido repentinamente em função da troca de cargos. Além disso, a pesquisa indica que 13% deles, 37 funcionários, têm indício de não trabalharem nos gabinetes, ou seja, serem funcionários fantasmas.
Estas novas pesquisas realizadas mostram que a prática deve ter passado de pai para filho. Vinte destes possíveis funcionários fantasmas já estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no caso do esquema de “rachadinhas” no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), capitaneado também por Fabrício Queiroz, preso no mês passado.
O levantamento ainda demonstrou a forte relação de parentesco entre os assessores da família Bolsonaro. Pelo menos 102 pessoas têm algum parentesco ou relação entre si, integrando 32 núcleos familiares diferentes.
Em primeiro lugar dentre as famílias mais receberam em salários brutos desde 1991 como funcionários da família Bolsonaro, tirando ela própria, está a família Queiroz. Com oito cargos, um deles de Fabrício Queiroz, ex-chefe de segurança de Flávio Bolsonaro, a família recebeu um total de R$ 4,4 milhões em todos estes anos.