Com a chegada da crise sanitária no Brasil, as universidades estão com as atividades presenciais suspensas há aproximadamente quatro meses. Portanto, novas questões estão sendo tratadas pelas reitorias em nível nacional e, dentro disso, a discussão do papel dos reitores e da universidade como um todo deveria ganhar um papel central para tratar do retorno, ou não, das atividades de ensino de forma remota.
Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a administração central se diluiu com a criação, no dia 18 de maio, de comitês responsáveis por pensar a universidade em meio a pandemia. São, no total, seis comitês: o comitê Assessor e seus subcomitês Científico, de Comunicação, de Infraestrutura e Administração, Acadêmico e de Assistência Estudantil.
Suas tarefas se resumiram em averiguar que a universidade não pode voltar a ter atividades presenciais tão cedo e criar um formulário consultivo online para verificar a disponibilidade de docentes, técnicos e discentes de retomarem o semestre via ensino remoto. Na semana passada, com a finalização dos relatórios dos subcomitês, o reitor, Ubaldo Cesar Balthazar, comunicou a comunidade, através de um vídeo publicado no Youtube, informando que a universidade se dirigirá ao “novo normal” o mais breve possível.
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Outra aparição pública do reitor que conduz nossa universidade foi extremamente vexatória. Ubaldo, em entrevista à maior mídia do estado, a qual cotidianamente difama a universidade perante todos os catarinenses, disse que o ensino remoto não foi implementado até agora pois os professores da UFSC precisam de capacitação. É um absurdo que o reitor trate dos professores dessa maneira e diminua as questões do ensino remoto à falta de preparo técnico. Assim, ele entregou de bandeja à mídia e ao empresariado local todo o aval que precisavam para atacar com ainda mais força as universidades.
Não é de hoje que a reitoria da UFSC opta por ficar em cima do muro frente às lutas que precisam ser travadas e se esconde, hesitante, em sua posição administrativa. Desde que era pro tempore, na ocasião do brutal assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ubaldo Baltazar tratou com indiferença tudo o que tamanha brutalidade representava para a democracia e ignorou o pedido formulado por este coletivo a declarar luto. O que seria apenas hastear bandeiras a meio mastro foi transformado, na resposta dada pela reitoria, de que seria possível apenas mediante a um decreto do Presidente — na prática, acatando que a universidade se submeta ao Estado.
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Outro momento histórico foi a abstenção da atual reitoria frente aos cortes que atingiram 35% do orçamento de custeio da UFSC, onde a única saída tomada pela administração central foi se reunir com parlamentares catarinenses e suplicar que direcionassem emendas parlamentares a UFSC. Parlamentares estes que votaram pela reforma da previdência, que não é um projeto isolado da destruição das universidades públicas.
Esses exemplos demonstram como a reitoria não mais cumpre um papel intelectual na universidade, se resguardando apenas a tratar do seu trabalho como fundamentalmente administrativo. Assim, ela não conduz os anseios da comunidade científica e não busca nem mesmo recolocar as questões principais que devem ser feitas em relação ao que devemos nos ocupar em resolver, pois além de dar respostas, devem ser respostas às perguntas certas.
Se lembramos da posição dos estudantes de Córdoba em 1918, expressa em seu Manifesto, vemos que os anseios daqueles estudantes continuam extremamente atuais, pois sua luta por uma nova universidade exigia de seus reitores e professores uma postura também a altura, e isso significa que reivindicavam que ambos deveriam ser dirigentes intelectuais da universidade, inspirando e sendo um exemplo para a sociedade.
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A luta dos estudantes de Córdoba e sua reflexão sobre o que deve ser a universidade não pode se perder de nosso horizonte. Deveríamos, hoje, exigir também de nossos reitores e professores que sejam um exemplo para nós; que se demonstrem preocupados com o futuro dos sujeitos que se formam ou que passam pela universidade e, dentro disso, não colaborar com o aligeiramento dos processos de aprendizado e com a entrega de certificados sem um respaldo intelectual e formativo — posição expressa por eles na defesa do ensino remoto nas atividades obrigatórias do semestre.
Além disso, devemos exigir que discutam com a comunidade universitária qual a urgência em retomar as atividades de ensino e a que interesse isso responde, ao invés de que forma colocamos a nossa universidade de volta em funcionamento de acordo com o “novo normal”; principalmente porque a comunidade pouco refletiu nos custos que um retorno emergencial trazem à sociedade.
Resumidamente, a universidade deveria ser tratada com muito mais seriedade pela sua comunidade, como uma instituição que cumpre um papel importante na sociedade, pois é a única que tem por função discutir cientificamente, artisticamente e filosoficamente o mundo, fazer críticas a tudo e todos e propor um novo futuro.
Se não lutarmos e elevarmos a nossa universidade, instituição na qual depositamos toda nossa dedicação e construímos nela nosso futuro, a esse papel que ela pode e deveria cumprir, estaremos entregando-a de mãos abertas àqueles que querem vê-la destruída.
*As opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores e podem não representar a opinião do jornal.
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