A luta pelo ensino superior gratuito avança na África do Sul
Dois jovens foram mortos pela violência policial desde 2015
Por Helena Lima, redação do Universidade à Esquerda
21 de abril, 2021 Atualizado: 19:33
Os protestos estudantis na África do Sul avançaram nos últimos meses. O embate contra o aumento das taxas estudantis nas universidades e em favor da educação gratuita está latente desde 2015, com o início do movimento #FeesMustFall (Taxas Precisam Cair). Apesar de recuos do governo no aumento anual das taxas naquele momento, a ameaça retorna todos os anos, enquanto os estudantes se afundam nas dívidas.
No início deste ano o governo anunciou uma diminuição do auxílio financeiro para estudantes de baixa renda por conta dos gastos com a pandemia do covid-19, e a redução do investimento na educação superior; ao mesmo tempo que instaurou o aumento das taxas estudantis.
O movimento em 2021 se popularizou com o dito #WitsAsinamali, que significa “Nós não temos dinheiro”.
As dívidas estudantis chegam a nove mil dólares para cerca de oito mil estudantes do país, e outros milhares se afundam no endividamento. No início do período letivo estes estudantes endividados com a universidade foram impedidos de se matricularem.
Os protestos massivos nas universidades desde 2015 pedem pela redução das taxas, pela possibilidade de matrícula dos estudantes endividados, pela reversão das dívidas históricas, por bolsas e moradia gratuita para jovens de baixa renda e por transporte adequado entre as casas e a universidade.
Além disso, os estudantes questionam a visão de mundo imperialista como hegemonia na universidade. Hoje, Frantz Fanon e outros teóricos são defendidos contra as referências conservadoras, como Cecil John Rhodes, imperialista e estadista do século XIX, repetidas nas salas de aula e homenageadas nas praças das universidades.
A universidade na África do Sul é financiada parte pelo Estado, parte pelos pagamentos anuais dos estudantes e parte por empresas privadas. Quando o Estado decide reduzir seu financiamento, aumenta o espaço das empresas. Isto tem resultado na pressão para que a universidade seja uma “máquina de diplomas”, apenas como formação da força de trabalho especializada, segundo o marxista sul africano Ben Marken.
Violência policial
Desde 2015 a policia tem reprimido violentamente o movimento estudantil, o que já resultou em pelo menos duas mortes. Em 2019 um estudante foi morto pela segurança do campus universitário em Durban, em um protesto estudantil em frente à Reitoria. Nesse dia outros estudantes foram presos.
A segunda morte foi no mês passado. Os estudantes cercaram as rodovias ao redor da universidade com pneus em chamas, e houve grande repressão policial. Mais uma pessoa foi vítima das balas de borracha da polícia: um homem negro de 35 anos que passava na rua e não estava participando do protesto. Outros dois repórteres estudantis foram feridos pelos tiros.
Em ambos os casos, em 2019 e 2021, os depoimentos daqueles presentes no ato falam sobre a desproporção da violência frente ao movimento dos estudantes, que não estava armado.
O presidente Jacob Zuma, antes de terminar seu mandato, em 2018, anunciou um programa de ensino superior gratuito para os jovens com menores rendas.
Do ponto de vista econômico, no entanto, Ben Marken argumenta que as medidas de gratuidade para os estudantes pobres recairão sobre a classe trabalhadora, pois não serão uma medida de taxação das grandes fortunas, serão retiradas do escasso orçamento público.
“Não, não são os ricos que pagam, mas os pobres. Para financiar estas medidas o governo aumentou o imposto sobre o valor agregado (que atinge com mais força os pobres) e realizou cortes significativos nos gastos públicos.”
O autor afirma que os cortes orçamentários atingiram a área da infraestrutura, principalmente no interior do país, os programas habitacionais, o acesso à energia elétrica, o transporte público e a educação.
“Em outras palavras, isso não é uma “educação gratuita” como o governo argumenta. Nomear dessa forma mostra o cinismo do governo. É mais uma manobra para tentar reconquistar uma estabilidade política. Isto não está funcionando. Todos os dias somos atingidos por um escândalo que demonstra a instabilidade do capitalismo sul africano”.
A África do Sul, segundo dados do The Economist, era o país com o maior desemprego entre a juventude em 2017, quase 40% dos jovens estão desempregados; as entradas na universidade também caíram na última década.
Segundo Ben Marken, a revolta dos estudantes cada vez mais sai do escopo limitado do congelamento das taxas estudantis, se transformando em uma luta anticapitalista. Ele aponta a necessidade de o movimento estudantil se unir com os outros setores dos trabalhadores, principalmente aqueles que têm vinculação direta com a produção e podem, portanto, desestabilizar diretamente a economia e abrir o caminho para o acirramento da luta de classes.