Ainda que as eleições presidenciais de 2022 pareçam distantes, o período que estamos a atravessar é determinante para as condições da corrida pelo executivo. Diversos fatores influenciam significativamente a correlação de forças nas entranhas do Estado. Para começar, estamos há 15 meses experienciando os efeitos deletérios da pandemia e a cada dia que passa fica mais evidente a responsabilidade do atual governo pela quantidade de vidas ceifadas. Somado a isso, há especificidades da gestão bolsonarista, com suas constantes críticas à institucionalidade, que podem se expressar com maior radicalidade frente à possibilidade de perda nas eleições. Com a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, passa-se a impressão de que Bolsonaro está sob controle do legislativo e do judiciário. Contudo, por suas próprias características e intenções, essa tese parece não ter fundamento.
Quando as milhares de vidas perdidas também traduziram duras perdas econômicas para os capitais, houve uma pressão de setores da grande e média burguesia para que o controle da pandemia no país avançasse. Pouco tempo depois, uma CPI é instaurada para impressionar os capitais, e, por consequência, torna evidente os absurdos experienciados pela classe trabalhadora no Brasil. Os fatos apurados pela comissão têm gerado indignação do povo, que foi às ruas durante o #29M e se empenha na organização para os atos no dia 19 de junho (#19J). Este cenário ocorre em um momento bastante sensível para a burguesia, pois é quando estão sendo definidas as apostas dos capitais para a gestão do executivo. Meses antes do início da corrida eleitoral são feitos os acordos, testam-se teses e quadros para ocupar os cargos de gerenciamento do executivo.
A possibilidade da eleição do Lula em 2022 tem trazido movimentações importantes. Do lado da esquerda, a aposta no petismo para salvar o país em 2022 tem cindindo aqueles que apostaram na unidade para ação – já que, parte dos que abraçam essa tese sequer visam a massificação dos atos #ForaBolsonaro. Figuras como o Lula não tem nem mesmo apoiado o impeachment, visando construir uma saída conciliatória nas eleições presidenciais. Do lado do capital, na medida em que as pesquisas apontam para uma possível vitória eleitoral de Lula, Bolsonaro tende a ficar cada vez menos sob controle da institucionalidade. Com isso, as questões que vêm à tona são se Bolsonaro dará ou não um golpe e, em caso afirmativo, se haverá apoio de setores significativos da burguesia para este projeto. Com isto em curso, não parece estar no horizonte do presidente ser submetido ao controle da comissão parlamentar.
O Governo, recentemente, pronunciou-se sobre a vacinação da população. Sua declaração possui aspectos que precisam ser pesados. Em primeiro lugar, o pronunciamento carrega um tom de que a população estaria sendo vacinada em tempo. Contudo, conforme tem sido evidenciado, se não fossem as recusas da compra de vacinas pelo executivo desde agosto de 2020, não estaríamos chegando nos 500 mil mortos por Covid-19. Temos assistido a países imperialistas, que iniciaram a vacinação rapidamente para garantir o funcionamento da economia, comemorando o fim das restrições contra a pandemia, ao passo que nós estamos descobrindo novas variantes da Covid-19. Em segundo, a incorporação da ideia de que o governo está se responsabilizando pela vacinação, além de ser uma falácia, apenas reforça a posição adotada por Bolsonaro desde o início. Esta, sustentou-se pela tese que os trabalhadores deveriam manter a economia a qualquer custo, custem quantas vidas custar, tomando a vacina ou não. Ou seja, em nenhum momento a CPI está dando a linha do discurso do presidente, ainda que para as instituições burguesas seja importante assim o apresentar. Recentemente, o presidente e vice-presidente da CPI, sete senadores titulares e sete suplementos apresentaram uma nota pública afirmando que a “inflexão de Bolsonaro veio tarde”.
Além do desgaste do governo em relação ao genocídio gestado durante a pandemia, que tem se traduzido em mobilizações nas ruas e queda de impopularidade, mais dois fatores que parecem empurrar Bolsonaro para fora da aposta de parte dos capitais.
Primeiro, a dificuldade da burguesia em emplacar uma terceira via – que tem sido chamada assim por ser uma alternativa ao petismo e ao bolsonarismo – tem empurrado uma preferência destes à Lula. Há poucas semanas vimos, inclusive, um gesto de diplomacia entre os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, fortes oponentes nas décadas de 1980 a 2000. O aperto de mão selado entre ambos traduz o compromisso que parece ter sido firmado em nome de, dentro dos marcos institucionais, manter a exploração do capital.
Em segundo, as investigações que envolvem os aliados do presidente, que estão em curso desde que Bolsonaro foi eleito, parecem agora estar caminhando para a possibilidade de encontrar figuras chaves do governo. A investigação do “gabinete paralelo”, composto por médicos e empresários que aderiram às teses negacionistas do presidente durante a pandemia, pode significar o fechamento do cerco para sujeitos importantes para Bolsonaro. Estas investigações explicitam que o presidente nunca apostou no Ministério da Saúde para conduzir a política sanitária durante a pandemia, o que é uma afronta às instituições tradicionais do Estado.
Sendo assim, a alternativa vislumbrada por Bolsonaro para garantir a perpetuação de seu projeto pode ser levar a cabo um golpe. Essa possibilidade tem sido ventilada, por exemplo, por meio das declarações de que o sistema eleitoral é fraudulento. Com isso, Bolsonaro quer testar a aderência popular à possibilidade de um golpe, sobretudo se sua derrota estiver assegurada em 2022.
Entretanto, a efetivação ou não de um golpe depende de uma série de fatores. Para além da aderência de setores sociais, peças chaves do capital precisam apoiá-lo, o que, ao menos por enquanto, não parece estar se desenhando. Além disso, ao contrário do que representou o massacre operado pelas ditaduras empresariais-militares nos anos de 1960 e 1970 na América Latina, um golpe não parece induzir à estabilização do continente. O que ocorreu no Chile por meio da força popular nas ruas representou uma demonstração de força bastante ofensiva à burguesia. Para os capitais, é necessário estabilidade para garantir o avanço das reformas neoliberais no continente.
Assim, mesmo diante da impossibilidade de a CPI controlar o presidente, a aposta de grande parte da burguesia ainda parece ser o de garantir as reformas dentro do regime da institucionalidade. Já Bolsonaro, frente à possibilidade de perder as eleições, incita setores sociais para levar a cabo um golpe. Resta saber se ele terá apoio ou se, mesmo sem uma base social, conduzirá até às últimas consequências sua aventura golpista.
Com isso, resta aos trabalhadores adentrarem nessa disputa com o peso que carregam enquanto classe. Amanhã o país irá presenciar novamente a força massiva do povo nas ruas e esse precisa ser só o começo das lutas que iremos travar.
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