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Desvio de verba no gabinete de Flávio Bolsonaro financia construções ilegais no Rio de Janeiro; milícia carioca administra o esquema
Mais um elemento amarra a família Bolsonaro aos grupos de milícias no Rio de Janeiro. O Jornal The Intercept Brasil teve acesso a informações exclusivas sobre o envolvimento do Senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), filho do atual chefe do executivo, com um esquema de desvio de dinheiro público para financiamento de construção de prédios ilegais erguidos pela milícia do Rio. O caso foi divulgado pelo jornal no sábado (25), um dia após a demissão do ex-Juiz Sérgio Moro, que declarou ter seu pedido de demissão motivado pelas interferências do Presidente Jair Bolsonaro na troca do comando da Polícia Federal do Rio. Segundo Moro, a mudança no cargo poderia visar obstruir as investigações em andamento na justiça. A divulgação dessas informações enreda importantes elementos do envolvimento da família no caso Queiroz, na morte de Adriano Nóbrega e no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Ainda sob sigilo, as informações divulgadas pelo The Intercept foram obtidas por meio da leitura de documentos que compõem o inquérito aberto no Ministério Público do Rio, resguardando anonimato às fontes. Flávio Bolsonaro pode ser formalmente acusado de crime de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público).
O esquema teria iniciado quando Flávio Bolsonaro ainda era Deputado Estadual da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o que explicaria o crescimento exponencial de seu patrimônio declarado. Flávio ingressou na vida política com R$ 25,5 mil declarados em patrimônio, que teve um salto entre 2015 e 2017, que possibilitou a compra de dois apartamentos em zonas nobres do Rio de Janeiro, mais a participação societária numa franquia de chocolates. Em 2018, o atual Senador afirmou ter R$ 1,74 milhão. A elevação significativa dos bens de Bolsonaro filho coincide com o período em que ocorrem os esquemas.
Os crimes ocorreram a partir de “rachadinhas” que Flávio realizava no gabinete da Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro (Alerj). Fabrício Queiroz era assessor de Flávio Bolsonaro e já havia sido identificado como “laranja” no esquema de desvio de verba na Alerj. Queiroz era responsável por confiscar cerca de 40% dos vencimentos dos servidores a fim de desviá-lo a Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope, apontado como chefe do Escritório do Crime, milícia especializada em assassinatos por encomenda. Os repasses chegavam ao miliciano por meio de contas usadas por sua mãe e esposa. Ambas ocupavam cargos comissionados no gabinete do deputado entre 2016 e 2017, nomeadas por Queiroz.
O dinheiro desviado seria investido no ramo da construção civil organizado pela milícia para edificação de prédios irregulares no Rio. Segundo o Ministério Público as construtoras São Felipe Construção Civil Eireli, São Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ foram registradas como “laranjas” do Escritório do Crime. Adriano realizaria o desvio aos “laranjas” das empresas para a realização das obras ilegais.
A organização criminosa também atua cobrando “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões, exploração de sinal clandestino de TV e grilagem de terras. Flávio Bolsonaro receberia parte dos lucros do investimento dos prédios.
O vínculo de Flávio Bolsonaro com parte do esquema já era público há tempos. Em agosto do ano passado, Jair Bolsonaro anunciou que trocaria o superintendente da Polícia Federal no Rio por questões de gestão e produtividade. Era justamente nesse período que tornava-se público o caso de Queiroz e os crimes que teriam sido cometidos pelo filho primogênito do Presidente durante seu período na Alerj.
Além disso, no início deste ano, Adriano da Nóbrega, que estava foragido da justiça, foi morto a tiros em um ato que poderia ter sido motivado por “queima de arquivo”. Há indícios do envolvimento de Adriano no assassinado de Marielle Franco e Anderson Gomes. Flávio Bolsonaro havia prestado homenagens em 2005 ao miliciano.
Ademais dos crimes de Flávio Bolsonaro, os outros membros da família também estão sendo cercados pela justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) conduz em sigilo um inquérito contra Carlos Bolsonaro para averiguar esquema ilegal de fake news. A investigação foi aberta em março de 2019 pelo presidente do STF, Dias Tofolli, visando identificar o uso de notícias falsas para ameaçar e caluniar ministros do tribunal. Carlos seria o líder do grupo que monta notícias falsas e age para intimidar autoridades públicas na internet. Eduardo Bolsonaro também é alvo de investigação por estar envolvido no esquema.
Jair Bolsonaro também poderá ser investigado se houver indícios de que o Presidente ajudou a organizar as manifestações anti-democráticas ocorridas no domingo (19), podendo ser acusado de crime de responsabilidade. A pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, corre uma investigação sobre esses atos. Em meio às milhares de mortes causadas pela Pandemia, Bolsonaro discursou na manifestação anti-democrática ocorrida em Brasília, que pedia um novo AI-5 e o fechamento do Congresso.
É um absurdo que toda a família do Presidente da República esteja envolvida em uma série de crimes gravíssimos, intimamente ligada às milícias, e siga ilesa na gestão do Estado, defendendo-se de todas as acusações sob o argumento de que tudo se trata de supostas “fake news”.