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AI-5, LSN e o sonho dos Bolsonaro

Por José Braga, redação do Universidade à Esquerda
18 de novembro, 2019 Atualizado: 23:01

No dia 31 de outubro, em entrevista o deputado federal e filho do presidente da república, Eduardo Bolsonaro comentando os protestos no Chile declarou que frente a uma radicalização da esquerda o governo teria que responder e aventou a possibilidade de editar um novo AI-5. No mesmo dia em vídeo publicado, respondeu às críticas à sua declaração deste modo:


“O que a esquerda está chamando de protestos e querendo trazer para o Brasil na verdade sabemos que são vandalismos e depredações e, chega sim, a ser terrorismo. Querem fazer uma instabilidade política para retirar do poder um presidente que não é de esquerda. Isso tudo está perigando vir para o Brasil. (…) Essa é a cara da esquerda e nós não permitiremos isso.”

Seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, questionado sobre as declarações do filho, respondeu: “Quem quer que seje que está falando de AI-5 tá falando, tá sonhando; Tá sonhando, tá sonhando, não quero nem ver notícia nesse sentido aí…”. O presidente disse não apoiar a reedição do AI-5. No entanto, apenas alguns dias após afirmou que a lei de segurança nacional poderia ser usada contra o ex-presidente Lula.  

A face brutal e autoritária dos Bolsonaro não é nova. Seu apreço pela ditadura empresarial-militar e seus porões é de conhecimento público. Muito antes de assumir a presidência da república, Bolsonaro e seus filhos não perdem a oportunidade de tecer elogios ao criminoso e torturador Brilhante Ulstra. Fizeram discursos em apoio a milícias, e tem em seus círculos milicianos. 

Mas, isto não torna suas afirmações menos graves. Apesar das características toscas no núcleo do governo, que parece se mover aos trancos e barrancos entre um arroubo de imbecilidade e outro, é preciso levá-los a sério. Os Bolsonaro sonham com o passado, e desejam uma ditadura para chamar de sua. 

Não esqueçamos que este governo propõe uma transformação completa da sociedade brasileira. Por isso, a agenda econômica caminha junto aos ataques à liberdade de expressão, a quebra de solidariedade entre os trabalhadores, os ataques aos sindicatos e movimentos, ataques a cultura, enfim a proposição de um modo de vida em todos seus aspectos. 

Por isso, este é um governo que parece manter uma estrutura de campanha contínua. A ida aos estádios, as lives, as provocações, cumprem um papel de manter os setores médios mobilizados em  torno do governo. 

Mas, trata-se de uma transformação sem transformação. De mudar “tudo isso que está aí” para manter intacta a situação da burguesia, de manter os bolsos da classe dominante cheios. Sua tarefa central é rebaixar ainda mais os salários e retirar direitos, ou seja rebaixar os custos da força de trabalho para os empresários, para que se possa manter seus lucros crescentes. É neste sentido em que se orienta o conjunto de reformas que este governo propõe, sempre uma mais vil que a última, e sempre insuficientes. Um ritmo avassalador de destruição das condições de vida da classe trabalhadora. 

O apoio da classe dominante ao governo depende de sua capacidade de entregar as reformas e cumprir a agenda de privatizações e acordos comerciais. Ou seja, a burguesia pode descartar Bolsonaro quando lhe for conveniente. O que faz com que o governo lute constantemente para manter-se útil aos seus olhos.

Os Bolsonaro sabem disso, e por isso entre uma medida regressiva e outra tentam abrir o caminho para tornar seu sonho ditatorial concreto. Por isso, tentam consolidar a imagem que estão sendo atacados por todos os lados, abandonados e traídos por parte de seus apoiadores e pelo próprio partido. Nada melhor se mostrar fraco para justificar medidas de força. Afinal, a tarefa que lhe teria sido incumbida seria a de uma grande mudança no Brasil.

Talvez, então não se trate de reeditar efetivamente o AI-5 ou de aplicar a Lei de Segurança Nacional. Mas, criar a condição na qual a opressão mais brutal possa ser apresentada como libertadora. A condição na qual a violência do Estado possa aparecer nua e crua ao conjunto da sociedade brasileira, e deixar de ficar restrita às periferias. 

Aliás, esta violência não deixou de existir com a nova república: os porões da tortura e da matança estão hoje a céu aberto nas favelas. O genocídio da juventude negra e pobre pela violência do aparelho repressivo do Estado, pelo tráfico e pelas milícias não apenas aniquila os sujeitos, mas também busca conter a energia realmente transformativa dos trabalhadores das periferias. 

É esta energia que os Bolsonaro querem impedir que tome corpo. Pois, ela pode não apenas derrotar seus sonhos golpistas, mas talvez possa finalmente dar às coisas seu devido lugar abrindo o campo para colocar em questão a carcaça podre da nova república.


*O texto é de responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do jornal.


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