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Opinião

O golpe se vence é na luta

Foto Jorge Araujo/Fotos Publicas
Foto Jorge Araujo/Fotos Publicas
Por Renato Milis, redação do Universidade à Esquerda
04 de agosto, 2022 Atualizado: 21:09

Não é surpreendente, para aqueles que vivem verdadeiramente em nosso país, o acirramento da movimentação golpista do Presidente da República Jair Bolsonaro. Com a proximidade das eleições, intensificou-se a mobilização de suas forças no sentido de preparar uma tentativa golpista. Que Bolsonaro, seus filhos, seus policiais e militares de estimação, sua base em setores do empresariado, das classes médias e da classe trabalhadora possam realizar uma aventura golpista nos próximos meses é uma possibilidade concreta.

Uma aventura golpista, pois, ao menos por enquanto, tem sido evidente que ele não tem o apoio de setores da classe dominante que seriam fundamentais para consolidar sua tentativa: a saber as megaburguesias, especialmente nos setores bancários e industriais, das burguesias dos países de capitalismo central, especialmente dos estadunidenses. Apontam para isso o “manifesto da FIESP”, a carta pela democracia da “USP” e as declarações de setores importantes do Estado estadunidense sobre as eleições brasileiras.

Isso, no entanto, não é motivo para conforto. Em primeiro lugar, porque o não-apoio desses setores não se dá por qualquer princípio republicano ou democrático, mas pelo que lhes parece mais conveniente aos seus interesses pragmáticos – o que é melhor para seus negócios. Ou seja, esta posição pode muito bem mudar se um golpe demonstrar que será capaz de manter, de forma estável, uma política econômica de dilapidação do patrimônio nacional e de arrocho sobre os trabalhadores.

Em segundo lugar, porque, mesmo uma tentativa frustrada de golpe, pode ter efeitos terríveis para a classe trabalhadora. Poderá produzir ataques sistemáticos contra as formas de organização da classe, seus sindicatos, entidades, movimentos, partidos. Implementar rapidamente políticas de dissolução de direitos, e aumentar a violência dos aparelhos repressivos de estado contra os trabalhadores brasileiros. Basta ver o que o acirramento da movimentação golpista já tem produzido nas bases bolsonaristas – a liberdade com que desde elementos civis, mas principalmente policiais, têm usado de execuções, tortura, repressão aberta.

Neste momento somam-se denúncias na mídia empresarial sobre indícios e planos relacionados ao golpe. Dentre as quais duas chamam a atenção: Bolsonaro busca alterar a localização do desfile militar de 7 de setembro na cidade do Rio de Janeiro para a praia de Copacabana; e a denúncia por um colunista da Veja (sic) de que funcionários da inteligência investigam a realização, por grupos bolsonaristas, de um atentado contra apoiadores de Bolsonaro – numa farsa para culpar a esquerda. Esta última, se for confirmada, é muito grave.

É fundamental lutar para frustrar os anseios bolsonaristas. A questão que se coloca é: por quais meios?

Golpe e Eleições

Tem circulado no interior dos movimentos, sindicatos e círculos de esquerda uma tese de que a derrota de Bolsonaro em uma eleição definida em primeiro turno enfraqueceria as condições para a realização de um golpe. Para isso seria necessário envidar esforços para eleger o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva.

Esta tese que emana dos círculos do próprio partido conquistou muitos na esquerda, desde o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), muitos independentes sejam militantes ou importantes quadros da luta socialista, bem como movimentos e sindicatos que têm defendido bizarramente o voto em Lula (vide ADUFRJ, FASUBRA, dentre outros).

Esta tese, no entanto, tem como principal efeito cooptar, render e desorganizar a luta dos trabalhadores contra o golpe e contra a política econômica que está devastando a vida dos brasileiros. Em primeiro lugar, pois acaba em geral por escamotear que a política do Partido dos Trabalhadores é em fundamento muito semelhante, basta ver o “não-programa” da candidatura Lula-Alckmin – e melhor ainda, basta ver o que foram os governos Lula-Dilma. Se de fato for necessário votar em uma candidatura majoritária no primeiro turno, por que a escolha por Lula? Por que não escolher a candidatura de Ciro Gomes, que mesmo no campo democrático-burguês, ao menos propõe uma mudança de curso econômica? Por que construiremos no interior da classe, colocando os organismos como sindicatos e movimentos e criando comitês de campanha para se organizar em torno da candidatura de Lula?

A tese de eleger Lula no primeiro turno para derrotar Bolsonaro funciona para desorganizar os trabalhadores, e isto independe das intenções daqueles que a defendem. Ela funciona para que todos coloquem todas as suas energias no interior das eleições e pior, em função de um programa neoliberal (no qual a presença de Alckmin só veio a dar o toque final).  Isso, como tem denunciado muitos movimentos e quadros importantes, está em operação desde 2021 – quando o próprio Partido dos Trabalhadores tirou peso das manifestações de rua pelo “Fora Bolsonaro”.

A desorganização produzida no interior de nossa classe é tamanha que o que tem mobilizado é a “Carta da USP”. É dramático que as principais centrais sindicais tenham corrido para assinar a carta que homenageia um integralista e que tem o peso da articulação dos megacapitais. Não só isso, em diversas cidades do país sindicatos e movimentos têm funcionado como uma correia de transmissão e organizado “atos” em auditórios para leitura simultânea e releitura da carta. Sem alternativa posta de lutas de massa, autopropelidas e organizadas pelos movimentos dos trabalhadores para barrar o golpe, as pessoas nas bases acabam por procurar se mobilizar em torno da carta…

A mensagem dada é que o grande capital pode contar com o PT para desorganizar os trabalhadores, para evitar que sua luta se torne um fator decisivo na conjuntura que possa ameaçar seus interesses. É gravíssimo que para passar essa mensagem, para garantir que será o depositário das expectativas políticas burguesas, o partido desarme os trabalhadores frente a um golpe.

Os nosso principais instrumentos como trabalhadores para luta nesse momento são os atos de rua e as greves de massas. Hoje, no entanto, o PT e seus aliados dirigem entidades, movimentos, sindicatos e centrais com enorme peso.

O PT dirige a maior central sindical da América Latina, a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 2019, segundo dados do Ministério da Economia, a CUT tinha em seu quadro 2.360 sindicatos filiados. Mesmo nos sindicatos não filiados, ela ainda possui presença considerável em sindicatos importantes. Além da CUT, o PT está na direção de diversos movimentos.

Seus aliados eleitorais também dirigem movimentos de peso. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) dirige há décadas a União Nacional dos Estudantes e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Está presente também na direção da Central dos Trabalhadores Brasileiros (CTB), que tem com os dados de 2019, 804 sindicatos filiados, além de estar presente em sindicatos não filiados. O Solidariedade, partido de Paulinho da Força, tem peso sobre a Força Sindical (a famosa central criada em oposição a CUT nos anos 2000, que aderiu abertamente a um programa neoliberal), que tem em seu quadro 1.702 sindicatos filiados.

Ou seja, o PT e seus aliados decidiram colocar toda essa força de mobilização dos trabalhadores para ser regida pela política burguesa de “enfretamento ao golpe”. Nessa lógica, quem sai perdendo não é Bolsonaro, mas a classe trabalhadora.

Não se trata de subestimar o efeito das eleições na conjuntura. Mas de não entrarmos nela como reféns, como se tivéssemos uma única alternativa. Como se nosso porta-voz fosse um partido da ordem neoliberal.

Nós, trabalhadores brasileiros, temos em latência uma enorme força! Para derrotar o golpe nós precisamos movê-la. Não será pela boca e pelos atos do capital que sairemos vitoriosos. Por isso, ainda há tempo de construirmos os atos de rua, nos prepararmos para greves, debatermos e colocarmos na rua as nossa soluções para a crise! Nós precisamos construir os atos de rua no dia 11 de agosto e o grito dos excluídos no 07 de setembro! Vamos nos preparar para colocar nossos instrumentos em cena na luta contra o golpe! E mais fortalecer os meios organizativos da nossa classe!

Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.


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