A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no julgamento do RRAg-849-82.2019.5.07.0002¹, julgado em 7/12/2021², reconheceu a responsabilidade civil da empresa detentora de aplicativo de transporte em uma briga de trânsito a qual resultou na morte do motorista do aplicativo. Na decisão ficou confirmado que o fato ocorrido tem relação com a atividade desempenhada, uma vez que, no momento do ocorrido, o motorista estava logado ao aplicativo para atendimento de uma corrida quando ocorreu o desentendimento resultando em sua morte. O Tribunal reconheceu a violação do art. 927, parágrafo único³, do Código Civil Brasileiro, por tratar-se de responsabilidade que é fundada na teoria do risco e que atribui a obrigação de indenizar a todo aquele que exerce alguma atividade que cria risco ou perigo de dano para terceiro. Assim, a 3ª Turma do TST reformou a decisão regional e determinou o retorno dos autos à primeira instância para que prossiga no exame dos pedidos das indenizações.
Nessa decisão, a 3ª Turma pontuou que era preciso explicitar se o fato de terceiro descaracteriza a responsabilidade da empresa detentora de aplicativo de transporte. Analisando a questão, a 3ª Turma decidiu que o fato de terceiro não descaracteriza a responsabilidade da empresa, resultando no reconhecimento da responsabilidade civil da empresa detentora de aplicativo de transporte.
Embora neste caso não seja tratado especificamente a controvérsia de relação de emprego ou de trabalho, o que chama a atenção foi constatar o grande esforço do autor (parte que representa a pessoa falecida) em pleitear perante a justiça – até chegar ao Tribunal Superior do Trabalho – o reconhecimento dos direitos do de cujus, uma vez que a plataforma se recusou em reconhecê-los.
Analisando as características do trabalho via plataforma, há estudiosos que afirmam que a tal flexibilidade, muito defendida pelas novas modalidades de trabalho, está diretamente ligada às causas de precarização do trabalho, uma vez que por meio da flexibilização das relações de trabalho se materializa a remoção das garantias sociais conquistadas pelos trabalhadores.
A ideia de liberdade e flexibilidade propagada constitui, na verdade, a transferência deliberada dos riscos para aumentar o controle sobre os trabalhadores, empregando diversas medidas para atingir esse fim: determinam quem pode trabalhar; delimitam o que será feito; como as atividades serão executadas; estabelecem de modo unilateral os valores a serem recebidos; pressionam os trabalhadores a não negarem serviços demandados e a permanecerem mais tempo à disposição; usam bloqueios para ameaçar os trabalhadores, e ainda, utilizam a possibilidade de dispensa a qualquer momento e sem a necessidade de justificativa. Deste modo, para as empresas há ampla flexibilidade, mas para os trabalhadores, a flexibilidade é apenas aparente, já que, na prática, são obrigados a trabalharem mais para garantirem sua sobrevivência e a manutenção de seus instrumentos de trabalho, exatamente nos termos impostos pela empresa.
O historiador Landes menciona que “[…]. Hoje, a procura de mão-de-obra barata transferiu empregos de países ricos para pobres ou, mais precisamente, para alguns países pobres. Felicidades para alguns, privações para outros. Economistas e moralistas aplaudem tais transferências como racionais, refletindo a vantagem comparativa; são, por conseguinte, razoáveis e desejáveis. […].” (2003, p. 589). Da mesma forma o professor Véras Neto pontua que “Os empresários das transnacionais sempre quiseram e sonharam historicamente, estar à margem e imunes ao controle do direito, pelo menos nas raras ocasiões em que esse ameaçava ou enrijecia os seus possíveis ganhos e interesses.” (2007, p. 323).
Diante do atual cenário brasileiro é preciso cautela em reconhecer como verdadeiras as afirmações de que a flexibilização de direitos é a solução para o desemprego, uma vez que em nome da inovação, das novas espécies de trabalho a própria flexibilização atua como agente desregulamentador sobre os direitos do trabalhador.
Elizeu Góis é Advogado. Especialista. Registro Profissional de Jornalista expedido em julho de 2021 pela Secretaria de Trabalho, Ministério da Economia. Possui especialização em Direito Empresarial Aplicado à Era Digital (2021); Docência na Educação Superior (2020); Direito Civil e Processo Civil (2019), Gestão de Pessoas; Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Maringá (2016). Integra e desenvolve pesquisas em dois grupos de estudos, sendo eles: Do Projeto de Estado ao Projeto de Educação, liderado pela prof.ª Dra. Soraia Chafic El Kfouri Salerno; e no Grupo de Estudos sobre Novas Tecnologias e Trabalho (GENTT), liderado pela prof.ª Dra. Simone Wolff, ambos na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Advogado. Especialista. Registro Profissional de Jornalista expedido em julho de 2021 pela Secretaria de
¹ JusLaboris. Biblioteca Digital da Justiça do Trabalho. Informativo TST: n. 249 (1º a 17 dez. 2021). Disponível aqui. Acesso em: 10 mar. 2022.
² Tribunal Superior do Trabalho. Disponível aqui. Acesso em: 14 mar. 2022.
³ Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
JusLaboris. Biblioteca Digital da Justiça do Trabalho. Informativo TST: n. 249 (1º a 17 dez. 2021). Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/196857. Acesso em: 10 mar. 2022.
Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do;jsessionid=ghBuyDWeqLWwAFo9MHfzjat_MgHdS42TitKyAiCn.consultaprocessual-17-6rg6h?conscsjt=&numeroTst=849&digitoTst=82&anoTst=2019&orgaoTst=5&tribunalTst=07&varaTst=0002&consulta=Consultar. Acesso em: 14 mar. 2022.
LANDES. David Saul. A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres, trad. Álvaro Cabral. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. 760 p.
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Análise crítica da globalização neoliberal: seu impacto no mundo do trabalho à luz da interpretação dos conceitos de fetichização e racionalização nas obras de Karl Marx e Max Weber. Curitiba: Juruá, 2007. 583 p.
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