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Opinião

Inflação maior do que o esperado e as perspectivas de recuperação

Redação CUT
Por Flora Gomes, redação do Universidade à Esquerda
25 de novembro, 2021 14:43

A crise no Brasil tem mostrado sinais de aprofundamento e um horizonte cada vez mais distante de superação. Os dados demonstram um alto índice de inflação acumulado, e, quando somados às ações do governo, revelam projeções que apontam para um cenário de recuperação cada vez mais distante. O Brasil tem a terceira pior inflação dos países que integram o G20. Neste ínterim, a classe trabalhadora tem sentido na pele o aumento no preço dos alimentos, do gás de cozinha, os efeitos da especulação imobiliária e do aumento do preço da energia elétrica.

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Uma das principais questões na política monetária diz respeito à taxa Selic, que é a taxa básica de juros. Ela é um dos principais instrumentos de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação. Ela reflete a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no sistema para títulos federais. Ou seja, a Selic reflete o montante de juros pagos nas operações de empréstimos das instituições financeiras que compram títulos de dívida pública do Tesouro Nacional. O BC atua no mercado de títulos públicos visando alinhar a taxa Selic efetiva com a meta da Selic definida na reunião do Comitê de Política Monetária do BC (Copom). A reunião do órgão para a definição da taxa média ocorre a cada 45 dias. 

Por ser a taxa básica de juros, ela serve de base para o cálculo dos juros cobrados em financiamentos, consórcios, empréstimos e outras transações bancárias. Ela também impacta diretamente na inflação e na compra e venda de títulos públicos. Em tese, quando a taxa Selic está em alta, há uma diminuição na demanda e no consumo por conta das altas nos juros. Quando há um aumento da taxa básica de juros, dificulta-se a capacidade de crédito e reduz-se o consumo da população, impactando nas taxas de desemprego. Muitas empresas acabam demitindo funcionários ou reduzindo jornadas em razão dessa contração. Além disso, comprime ainda mais a cesta de consumo dos trabalhadores, que atualmente usufruem cada vez menos por preços cada vez menores. 

Em 27/10, na última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), a meta da taxa básica de juros (selic) foi aumentada em 1,5%, atingindo a marca de 7,75% no ano. Este é o maior patamar em quatro anos. O comitê prevê um cenário de aumento da Selic para 8,75% até o final deste ano e de 9,75% durante 2022. A redução da taxa, ainda segundo projeções, ocorreria apenas em 2023, com 7% ao ano. O percentual anunciado aponta para um índice da taxa Selic ainda maior do que havia sido projetado pelo Banco Central em anúncios públicos anteriores, cuja previsão de aumento era de 1 ponto percentual, seguindo o ritmo das duas determinações anteriores do Copom. Para alguns analistas, a elevação da Selic está relacionada com o crescimento da inflação e com o descontrole sobre os gastos do governos federal. 

Alguns eventos que ocorreram na semana anterior relacionam-se com essa previsão de recuperação mais difícil. Em 21/10, diversos secretários do Ministério da Economia pediram exoneração dos seus cargos. Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional, Gildenora Dantas, secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento e Rafael Araujo, secretário-adjunto do Tesouro Nacional deixaram os seus cargos. O anúncio veio após o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar criação de um benefício para caminhoneiros no valor de R$ 400 reais. 

Frente a esse fato, os economistas realizaram uma revisão nas expectativas em relação ao mercado. No relatório divulgado pelo Copom , o órgão afirmou que, “considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,50 ponto percentual, para 7,75% a.a.”, pois “ diante da deterioração no balanço de riscos e do aumento de suas projeções, esse ritmo de ajuste é o mais adequado para garantir a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante. Neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance ainda mais no território contracionista.” Para a próxima reunião, o órgão prevê um ajuste de mesma magnitude. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma, de maneira infundada, que o crescimento do Brasil em 2022 está garantido.  Apesar do discurso otimista em relação ao crescimento da economia do país, em 25/10 o Itaú divulgou um relatório apontando a retração de 0,5% do PIB brasileiro em 2022. No relatório anterior, havia a projeção de um crescimento ínfimo de 0,5%.

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Conforme mencionamos, a elevação da taxa Selic traz uma série de dificuldades aos trabalhadores em um momento no qual a crise inflacionária está afetando intensamente a cesta básica. O aumento da inflação se reflete diretamente no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cujo acumulado de 12 meses em novembro é de 10,47%. 

Segundo análises recentes de agentes financeiros, o BC estaria perdendo o controle das expectativas de inflação a longo prazo. O boletim Focus de expectativas de inflação, divulgado na última terça (22/11), revela sinais de redução da expectativa de recuperação para os próximos anos. A previsão do mercado financeiro para o IPCA de 2021 subiu de 9,77% para 10,12%. 

 De acordo com uma pesquisa do Ipea, em outubro, pelo sétimo mês consecutivo, a inflação foi mais acentuada para as famílias de renda muito baixa (inferior à R$ 1808,79 para todo o domicílio). Para estes setores, a inflação neste período foi de 1,35%, ao passo que para as famílias de renda muito alta (acima de 17 mil reais) a inflação foi de 1,20 % em relação ao consumo destas famílias. A inflação acumulada para os setores mais pobres chega a 11,4%. Já para os mais abastados, o índice acumulado é de 9,3%.

Uma das principais questões que explicam a dificuldade de controle dos preços é a estrutura de capitalismo dependente no Brasil. Como o consumo dos trabalhadores em países como o nosso não cumpre uma função importante para a realização dos capitais – tal como opera nos países de capitalismo central -, diversos produtores preconizam a exportação de insumos básicos para barganhar vantagens no mercado internacional. 

Com a estrutura do país voltada para as exportações, atualmente há poucos instrumentos estatais para controlar o preço. O desmonte dos estoques públicos de grãos e a diminuição de áreas plantadas, por exemplo, acabam dificultando a interferência nos preços. A carne também tem sido estocada nos frigoríficos aguardando a abertura do mercado Chinês. Apesar da leve redução do preço no último mês, o preço da carne tem subido cumulativamente nos últimos meses.

Soma-se a isso o fato de que a política de preços da Petrobrás – que impacta nos preços de combustíveis, fretes, gás de cozinha, entre outros – está atrelada ao preço do barril no mercado mundial e à variação do dólar futuro frente ao real. Conforme apontou Allan Kenji em sua coluna para o Universidade à Esquerda, há uma atuação direta do Estado como patrocinador da privatização da Petrobrás. 

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Com a perda da capacidade do controle de preços em decorrência das privatizações operadas pelo governo, observa-se que a crise econômica que estamos atravessando, sentida a cada ida ao supermercado, pode estar longe de terminar.

Ainda que os porta-vozes do governo anunciem que ano que vem o Brasil estará “crescendo novamente”, é necessário questionar se de fato será possível, como meta de governo, controlar a inflação em 2022. As previsões parecem apontar para um horizonte mais distante. Nesse cenário, é a classe trabalhadora que sofre as mais duras consequências, verificando a cada ida ao mercado uma elevação no preço dos alimentos, uma dificuldade de utilizar gás de cozinha para preparar a alimentação cotidiana e um cenário desesperador frente ao desemprego. 

Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.


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