Aqui no Brasil, com 1.897 nomes, o país consta em quinto lugar com a maior quantidade de pessoas citadas na base do Pandora Papers, com pelo menos 27,1 mil offshores. Em meio a uma crise que recai nas costas de trabalhadores que pagam até por ossos para conseguirem se alimentar, parte da elite segue lucrando por conta de toda a miséria atual, com dívidas estratosféricas que acumulam, somando o montante de 16,6 bilhões de reais em dívidas com a União, as quais não existem sequer previsões de pagamentos – mas seus lucros seguem garantidos fora do país.
Dos líderes políticos que aparecem nos documentos, constam cerca de 35 líderes atuais e passados, além de mais de 300 funcionários públicos. Expõem gastos por exemplo do rei da Jordânia, Abdullah 2º, que chegam na casa dos US$ 100 milhões (R$ 535 milhões) comprando propriedades no Reino Unido e nos Estados Unidos; As economias de 312 mil libras (R$ 2,3 milhões) em impostos do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e sua esposa, Cherie, ao compraram um edifício no centro de Londres, onde hoje funciona o escritório de advocacia de Cherie.
Na América Latina, foram vazados documentos de aquisições de empresas offshore em diversos países.
Para citar apenas alguns dos nomes: Chile (mostrando negócios offshore do presidente Sebastián Piñera), República Dominicana (com nove empresas offshore declaradas pelo presidente Luis Abinader em 2020), Equador (envolvimento do presidente e ex-banqueiro Guilherme Lasso com 14 empresas offshore, o qual agora está sendo investigado com a aprovação de 105 votos do legislativo equatoriano), Haiti (com os documentos que revelam Lamothe como acionista de algumas companhias ainda na entrada do governo), Peru (mostrando a companhia aberta nas Ilhas Virgens Britânicas pelo ex-presidente Pedro Kuczynski durante seu mandato), Colômbia, Panamá (ex-presidente Balladares como diretor de três companhias offshore criadas em seu mandato) e ficando na quinta posição de maiores aquisições offshore, o Brasil.
Constam, nesse grupo, os donos das maiores empresas do Brasil, grande parte apoiadora da ala Bolsonarista, como os irmãos Andrea, Eduardo e Fernando Parrillo, donos do plano de saúde Prevent Senior; o dono do grupo Guararapes (Riachuelo) e quase candidato à Presidência da República em 2018, Flávio Rocha; os donos da Grendene, Pedro e Alexandre Grendene; o patriarca da família Menin, Rubens Menin, e seus filhos, donos da MRV, do Banco Inter e da CNN Brasil, entre outras empresas; e o dono da Rede D’Or, Paulo Junqueira Moll. Todos eles afirmaram ter declarado às autoridades brasileiras que são proprietários de offshores.
Mas desde semana passada, os nomes do Ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos ganharam destaques nas mídias, porque ambos mantiveram empresas em paraísos fiscais ocupando cargos importantes, com acesso a informações privilegiadas e poder de decisão sobre a política econômica. O presidente do BC manteve uma empresa até o final do ano passado, enquanto a offshore de Guedes segue existindo, com US$ 9,5 milhões, ou R$ 51 milhões.
O plenário da Câmara dos Deputados votou no meio da semana passada pelo requerimento de convocação do ministro da Economia sobre as offshores, com 310 favoráveis contra 142 contrários – contrários que são em maioria do partido Novo, Patriota e PSL.
A abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central. Entretanto, com o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais.
A proibição não se refere a toda e qualquer política oficial, mas àquelas sobre as quais “a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função”. Em janeiro de 2019, cinco anos depois de abrir a offshore e depositar US$ 9,54 milhões, Guedes virou o principal fiador do governo Bolsonaro e assumiu o cargo de ministro da Economia, sob cuja responsabilidade está um enorme leque de decisões capazes de afetar seus próprios investimentos no exterior.
Com a valorização do dólar, política defendida por Guedes e também relacionada à alta dos preços, permitiu que o ministro lucrasse bastante. O dólar ficou 40% mais caro em relação ao real durante o governo Bolsonaro, sob o comando de Guedes, e este lucrou R$ 14 milhões sobre o que declarou no paraíso fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas. Dividindo pelos mil dias do governo Bolsonaro, Guedes lucrou R$ 14 mil ao dia, já que seus investimentos subiram de R$35 milhões para R$51 milhões, o equivalente ao salário de vários servidores públicos, 24 mil bolsas de doutorado ou 35 mil bolsas de mestrado.
Dois dias após a revelação de que Paulo Guedes mantém uma empresa em um paraíso fiscal, uma convocação foi aprovada na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, para que ele e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, compareçam. A convocação apesar de obrigatória, ainda não foi confirmada a data na qual os dois irão comparecer. Além desta convocação, um convite foi aprovado no Senado, pela Comissão de Assuntos Econômicos, e o líder do governo no Senado informou à imprensa que os dois estarão presentes no dia 19 de outubro.
Porém, com a viagem de Paulo Guedes anunciada nesta segunda-feira (11/10) para os Estados Unidos, onde ele participará da reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, Guedes deverá ficar em Washington até quinta-feira, com seu retorno previsto para sexta. Com isso, o ministro não deverá comparecer ao plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (13/10), para prestar esclarecimentos sobre conta offshore nesta semana.
O ministro nega irregularidades e diz que os recursos são declarados e que as movimentações foram feitas antes de se tornar ministro, em acordo com a legislação brasileira. Não é de se surpreender que no sábado (09/10), o ministro do STF Dias Toffoli arquivou dois pedidos de investigação sobre Guedes no caso das offshores, colocando panos quentes no escândalo e mostrando serviço para a classe pela qual o judiciário burguês está a serviço no país.
Fica a pergunta de como as reformas e cortes em todas as instâncias que garantem subsistência da nossa classe trabalhadora precisa ser cortado a todo custo, com reformas na previdência, nos direitos trabalhistas, cortes na ciência, enquanto nestes paraísos acumulam-se em contas offshore cerca de 5,5 trilhões de reais.
[1] No qual conta com a participação da revista Piauí, Agência Pública, os sites Poder 360 e Metropoles, participantes do projeto, que faz parte do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ, que reúne cerca de 600 jornalistas por todo o mundo.
[2] OCDE estabeleceu os primeiros relatórios sobre paraísos fiscais que recebeu diversas críticas a respeito de sua parcialidade, culpando apenas os pequenos paraísos fiscais pelo problema da competição tributária prejudicial, enquanto a economia offshore alcança e se liga com a atividade situada em grandes centros onshore.
[3] Nos EUA foram formados grupos de apoio aos paraísos fiscais, como o Center for Freedom and Prosperity (CFP), criado em 2000, em conjunto com think tanks de direita, como a Heritage Foundation e o Cato Institute, como parte do lobby contra a iniciativa da OCDE de (SHARMAN, 2006, p. 16).