Após a operação policial mais letal já realizada no Brasil — a Chacina de Jacarezinho, que deixou 28 pessoas mortas no dia 6 de maio —, seis pessoas presas relatam, em audiência de custódia, violência e tortura física e psicológica por parte de policiais envolvidos no crime.
Todas as pessoas relataram violência física, como chutes, socos, tapas e golpes com as armas de fogo dos policiais. Em alguns dos laudos feitos pelo Instituto Médico Legal (IML), alguns dos detidos chegaram com hematomas aparentes no abdômen e na cabeça. Alguns dos ferimentos ainda estavam aparentes no dia da audiência.
Além da violência física, alguns relatos também apontam a violência psicológica, através de humilhação na condução da prisão, principalmente pela situação degradante da violência e tortura física ser presenciada pelos seus familiares.
Desde que a operação tomou as mídias, no mesmo dia em que ocorreu, a polícia tem argumentado que não houve execução durante a ação e que a operação correu nos limites da legalidade.
Entretanto, os relatos de moradores, as imagens da localidade logo após a operação, os laudos médicos das vítimas e os relatos das pessoas detidas revelam que a versão da polícia não condiz com a realidade.
Duas das pessoas presas contaram em audiência que foram obrigadas a carregar pelo menos dez corpos de vítimas para dentro de um “caveirão” — sendo, portanto, forçadas a alterar cenas de crimes.
De acordo com os relatos, os corpos estavam bastante prejudicados devido à morte extremamente violenta — fato que é corroborado pelos registros médicos de algumas das vítimas. Alguns dos corpos estavam com as faces dilaceradas e outros com o abdômen aberto.
Uma das pessoas presas afirma que chegou a recusar mexer num dos corpos, sendo agredida pelos policiais. Segundo o relato: “já comecei a chorar e ele: chora, não. Querendo pegar minha cara e tacar assim na tripa do moleque que estava para fora”.
Das 28 vítimas da chacina, 27 já chegaram sem vida nos hospitais. Na liminar de restrição das operações policiais no estado do Rio de Janeiro (RJ), realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a remoção dos mortos da cena do crime, sob pretexto de “prestação de socorro”, foi proibida a fim de preservar as evidências de crimes cometidos nas ações.
Em muitas imagens veiculadas na mídia é possível ver moradores limpando as ruas e calçadas da comunidade, bem como muitas casas ficaram banhadas com o sangue da ação policial.
Em uma entrevista, um pai mostra o quarto da filha, de 9 anos. O quarto estava completamente ensanguentado devido a uma execução que praticamente não esperou a família se retirar. Os tiros foram ouvidos quando a família ainda atravessava a porta de casa.
Após diversas solicitações de documentos referentes à justificativa e avaliação da ação via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Polícia Civil do RJ impôs sigilo aos documentos sobre todas as operações realizadas desde 5 de junho de 2020 — dia que o STF passou a restringir as operações no estado.
Com o sigilo, que deve durar cinco anos, apenas o Ministério Público (MP) tem acesso aos dados. Diversas entidades como a Associação de Imprensa Brasileira (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil do RJ (OAB-RJ) manifestaram-se em repúdio à imposição da Polícia Civil.
Cabe destacar que o ofício que determinou o sigilo foi assinado pelo delegado Rodrigo de Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional. Na coletiva de imprensa realizada logo após a chacina, foi Oliveira quem afirmou que o “ativismo” estaria supostamente impedindo o trabalho da polícia.
De acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), a restrição do STF é uma das possíveis causas da redução de mortes em operações policiais no RJ no ano de 2020.
Segundo pesquisas do grupo, a previsão era de que, no ano passado, 1.375 fossem assassinadas em operações policiais, mas com a redução das operações, os óbitos foram de 1.087 — 228 pessoas a menos do que a previsão.