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Painel do leitor | Trabalho infantil: uma consequência da desigualdade

Trabalho Infantil - Painel do Leitor - Universidade à Esquerda
Imagem: “Trabalho infantil em sítio de coqueiral”, 2004, de Cícero Omena/WikimediaCommons. Montagem – UàE
Por Painel do leitor, redação do Universidade à Esquerda
15 de abril, 2021 Atualizado: 07:23

Confira o texto enviado pelo leitor Henrique da Silva dos Santos, estudante do 5ª ano de psicologia do Centro Universitário UNIFAFIBE.

Ao longo de minha graduação em Psicologia, o tema do trabalho infantil me chamou a atenção, por se tratar de uma violação dos direitos das crianças e adolescentes. Tive a oportunidade de realizar alguns trabalhos acerca dos impactos que essa prática ocasiona no desenvolvimento infanto-juvenil, e resolvi escrever o presente texto para apresentar como a má distribuição de renda influencia na realização do trabalho infantil e como a elite econômica contribui para que essa situação continue.

A priori quero destacar aos camaradas que, o trabalho infantil acompanha nosso país desde a invasão dos portugueses, na qual as crianças trabalhavam como grumetes ou pajens (CUSTÓDIO, 2007; PAGANINI, 2011). Durante a escravidão os filhos de escravos deveriam acompanhar os pais nas tarefas das fazendas e sofriam as mesmas punições que os adultos (KASSOUF, 2007). 

Após o fim da escravatura e a chegada das indústrias no país, as crianças também estavam presentes no quadro de funcionários das empresas, pois se tratavam de uma mão-de-obra barata e seus pequenos membros serviam para realizar limpezas e manutenção nos espaços inacessíveis das máquinas, o que causava muitos acidentes e mutilações (LOMBARDI, 2010).

Só a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA de 1990, foi que as crianças passaram a gozar de todos os direitos à pessoa humana, o que mudou a visão da criança e do adolescente sob o poder judiciário nacional (BRASIL, 1990). Mesmo após 30 anos da criação do ECA, ainda não foi possível erradicar o trabalho infantil do país. Podemos compreender essa incapacidade de erradicação através da principal causa do trabalho infantil, a situação de pobreza das famílias. 

Essa situação de pobreza é fruto de um abismo social que assola nosso país desde sua colonização. Há estudos que apresentam que tal desigualdade social teve influencia europeia, da escravidão e dos grandes latifúndios, que hoje são considerados os pilares da má distribuição de renda. Com o início da era moderna, e com o crescimento econômico, houve o aumento da concentração de renda por uma pequena parcela da população, e para o restante o que sobrou foi à miséria, a fome, a mortalidade infantil, a pouca escolaridade, a violência, a desnutrição, dentre outras mazelas sociais (NUNES, 2019). 

Quero ressaltar aqui que o Brasil, assim como o restante da América Latina, sofre de uma “força” que impede qualquer oportunidade de desenvolvimento. Deve-se salientar que a América Latina sempre foi globalizada, ou seja, suas riquezas naturais sempre despertaram a cobiça dos países hegemônicos e do Estados Unidos. Para garantir que a América Latina continue sobre seu poder, tais países utilizam dos políticos como suas “marionetes particulares” para elaborar políticas que contribuam para que a desigualdade continue (MENDONÇA, 2013). 

Além disso, a elite econômica em parceria com a classe média criou a meritocracia, para camuflar seus privilégios com a falsa ideia de “lutei para conseguir”. A noção de meritocracia tira das classes mais populares qualquer perspectiva de melhorar sua condição e se culpam por isso (SOUZA, 2019). 

Todo esse processo faz com que as classes populares aceitem sua situação e não veem nada de errado em colocar as crianças para trabalhar e ajudar no sustento da casa, gerando assim uma aceitação cultural do trabalho infantil. Quando o presidente da República diz “Bons tempos, né? Onde o menor podia trabalhar.”, conseguimos compreender como está enraizada a ideia de que o trabalho precoce é benéfico e normal. Essa ideia do trabalho como “enobrecedor” foi criada pela elite, através de suas “marionetes”, que implantaram no país, logo após a abolição da escravidão, a “Lei da Vadiagem” para prender os negros que não tinham emprego, e assim “higienizar” as ruas. Desta forma o trabalho vem com o papel de disciplinador, sob a ordem moral idealizada, pois assim o trabalho tiraria a criança da ociosidade e da marginalidade (MOURA; SANMARTIN; DIEHL, 2014). 

O trabalho infantil contribui para que a situação do país permaneça do mesmo jeito, pois ao ingressarem precocemente no mercado de trabalho, a criança ou adolescente se priva de uma boa educação, pois quando precisa trabalhar e estudar passa a sofrer de um desgaste físico e mental, o que prejudica seu rendimento escolar (VIARO, 2017), podendo passar por repetências e até evasão escolar (NETO, 2016). Sem o estudo adequado, dificilmente conseguirá um trabalho com uma boa remuneração, estando propenso a trabalhos precários que contribuirão para o ciclo intergeracional da pobreza (FREITAS; SILVA; LIMA, 2017) e normalização do trabalho infantil.

Aos camaradas, quero deixar a reflexão de que o trabalho infantil contribui para que a pobreza entre as famílias continue. Porém, as famílias são apenas o resultado de uma violência institucional que contribui para que a desigualdade continue em nosso país. A educação é o caminho e a burguesia é o obstáculo!

REFERÊNCIAS

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90. Brasília, DF; Congresso Nacional, 1990.

CUSTÓDIO, A. Trabalho infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis: OAB/SC, 2007.

FREITAS, C. O.; SILVA, F. A. & LIMA, J. E. Impacto do trabalho infantil no rendimento do indivíduo adulto no mercado de trabalho formal brasileiro. Acta Scientiarum. vol. 39, n. 3, p. 281-291, 2017.

KASSOUF, A. O que conhecemos sobre o trabalho infantil? Nova Economia, vol. 17, n. 2, Belo Horizonte, 2007.

LOMBARDI, J. Trabalho e educação infantil em Marx e Engels. Revista HISTEDBR n. 39, Campinas, 2010.

MENDONÇA, J. L. A América Latina: da desigualdade social à desigualdade econômica ou características e variações de um mesmo tema. In GARCIA, M. L. & RAIZER, E. C. A. questão social e as políticas sociais no contexto latino-americano. Vitória: EDUFES. p. 112-128, 2013.

MOURA, A.; SANMARTIN, C. & DIEHL, R. O trabalho infantil na sociedade atual: um olhar sobre a educação em Direitos Humanos. In. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. 2014.

NETO, O. V. O trabalho infantil doméstico e suas implicações no cenário jurídico brasileiro. Direitos Fundamentais & Justiça. vol. 10, n. 34, p. 223-248, 2016. 

NUNES, T. Desigualdade de renda no Brasil: consequências ou entraves ao crescimento econômico? Revista Interfaces do Conhecimento. vol. 1, n. 2. 2019. 

PAGANINI, J. O trabalho infantil no Brasil: uma história de exploração e sofrimento. Amicus Curiae, vol. 5, n. 5, 2011.

SOUZA, J. A elite do atraso: Da escravidão a Bolsonaro. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019.VIARO, A. A. The impact of Trade Shock Exposure on Child Labor and Schooling in Brazil. (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. 2017.


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