Vai à Câmara programa de saúde mental no SUS em razão da pandemia
O projeto prevê o estabelecimento de parcerias com o setor privado no âmbito do SUS
Por Flora Gomes, redação do Universidade à Esquerda
12 de abril, 2021 Atualizado: 11:35
Na última quarta-feira (07/04), o senado aprovou por unanimidade o Projeto de Lei 2083/2020 que visa criar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) um programa específico para acolhimento de pessoas em sofrimento psíquico . De autoria do senador Acir Gurgacz (PDT), o programa pretende mitigar eventuais impactos psicológicos decorrentes de políticas de isolamento social.
A experiência de isolamento social durante a pandemia, ainda que no Brasil tenha sido extremamente frágil e cada vez mais restrita a determinados setores da sociedade, tem gerado efeitos psicológicos profundos em diversas pessoas. Soma-se a isso as diversas experiências de perda de familiares e amigos próximos em decorrência da Covid-19, a experiência sintomática da doença ou temor perante a possibilidade de contágio da Sars-Cov-2. Com essa complexificação das experiências na vida social, pretende-se abarcar essas experiências de sofrimento no interior de um programa do SUS. O Brasil já ultrapassou a marca dos 350 mil óbitos registrados em decorrência da doença.
Segundo a justificativa fornecida pelo relator do projeto, em razão da restrição de contato social como resultado da experiência da pandemia, diversas pessoas têm sentido impacto na saúde mental, apresentando quadros de ansiedade, depressão e, até mesmo, tentaivas de suicídio. A ideia do relator é, conforme justificativa anexada ao projeto, “instituir políticas de resposta aos efeitos deletérios à saúde mental, para mitigar problemas adicionais aos que são causados diretamente pela covid-19. Por essa razão, propomos que o Sistema Único de Saúde (SUS) adote programa específico para o acolhimento de pessoas que estão em sofrimento emocional em decorrência do isolamento. Ademais, o programa poderá atuar para preparar a mente das pessoas para uma nova realidade de trabalho e vivência que surgirão nas mudanças advindas nas esferas administrativas públicas e privadas, novas formas de emprego, trabalho e relacionamentos”.
Algumas emendas de senadores foram acatadas, determinando a priorização do atendimento virtual e o atendimento de profissionais de saúde que estejam atendendo na linha de frente do combate à pandemia.
Ainda que os fatos citados sejam verdadeiros, alguns aspectos do projeto chamam a atenção. Em primeiro lugar, a possibilidade de que esse programa possa ser firmado em parceria com entes privados pode ser mais um agravante para a transferência de obrigações do Estado para a iniciativa privada. O argumento da “complementaridade” entre ambos tem sido bastante recorrente na pandemia para justificar que a iniciativa privada possa receber lucros de obrigações que deveriam ser 100% públicas.
Em segundo, o fato de que o isolamento social seja uma justificativa para a implementação do programa parece não ser coerente com a realidade brasileira. Isso porque desde o início da pandemia não houve nenhum momento com uma política séria de isolamento. Agora, no pior momento da pandemia e sem perspectiva de melhora, um lockdown rigoroso está descartado tanto a nível federal quanto estadual. Por isso, tratar dos problemas psíquicos em decorrência do isolamento social em um momento em que ele está descartado do horizonte, parece ser uma estratégia de incorporação das experiências sofrimento no interior de uma narrativa exclusivamente psicológica, excluindo fatores políticos e econômicos que tem gerado dor nas famílias brasileiras.