Opinião
Eleições Unicamp: os estudantes não podem se ausentar!
87% dos estudantes não participaram do primeiro turno, seguindo um histórico de abstenção estudantil
As eleições para escolher o novo reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para o período 2021-2024 começaram com uma enorme abstenção dos estudantes: 87,33% não compareceram às urnas.
Dos 35.137 docentes, estudantes e técnico-administrativos que compõem a comunidade universitária, 24.745 não compareceram à votação. A maior parte das abstenções representa o corpo estudantil (87,33%), seguida dos técnicos administrativos (21,77%). Entre os docentes, apenas 5,9% não compareceram.
Dentre os aptos a votar, são 1,9 mil professores, 6,6 mil técnicos e 26,5 mil estudantes.
A maior adesão dos docentes pode ser explicada, entre outros motivos, pelo peso do voto da categoria. Os professores representam 5,5% da comunidade universitária, mas o voto da categoria vale 60%. Na outra ponta, os estudantes representam 75,5% da comunidade e o seu voto vale apenas 20%, mesmo percentual correspondente aos técnico-administrativos.
Em termos de comparação, o voto de um professor equivale ao voto de 50 estudantes.
Apesar de gritante, o alto índice de abstenções nas eleições para reitor da Unicamp é comum.
Nas últimas eleições, em 2017, a Unicamp contabilizou 9 mil votos de um colégio eleitoral de 38 mil, registrando uma abstenção geral de 76,3%, no primeiro turno. Na época, 92,5% dos estudantes se abstiveram.
O debate sobre a proporcionalidade ou não dos votos entre as categorias que formam a comunidade universitária sempre esteve presente na história das universidades brasileiras.
No caso das universidades federais, a lei 5.540/1968 (art. 16) obriga que o peso do voto docente seja de ao menos 70%. Na prática, e seguindo o princípio histórico e constitucional de autonomia universitária, muitas instituições elegem seus representantes máximos com uma proporção paritária entre as categorias (⅓ a cada segmento), por se tratar de uma forma mais democrática.
Em 2012, ao menos 68% das universidades federais incorporavam este modelo paritário.
O governo Bolsonaro tentou barrar essa tradição política em dezembro de 2019, ao publicar a MP 914, que forçava a instauração de pesos desproporcionais entre as categorias. A medida, que perdeu validade em junho de 2020, exigia que o voto docente valesse 70% e dos estudantes e técnicos, 15% cada.
Além da desproporcionalidade dos votos presente em diversas universidades, há mecanismos jurídicos que buscam tolher a autonomia na seleção dos reitores, submetendo a escolha final ao crivo do presidente, no caso das federais, ou dos governadores, no caso das estaduais.
Assim como nas universidades federais, nas universidades do Estado de São Paulo a palavra final não é da comunidade universitária. A eleição interna tem caráter meramente consultivo para a formação de uma lista tríplice que é enviada ao governador do estado, para que este realize a nomeação.
A tradição é de que seja nomeado o mais votado, mas a brecha jurídica permanece possibilitando uma intervenção externa. Um exemplo disso tem ocorrido no âmbito federal, onde também existe a brecha jurídica para intervenção e que tem sido efetivamente utilizada pelo atual governo para nomear reitores a seu bel prazer.
A ausência das entidades estudantis
Apesar do histórico de ausência dos estudantes, as entidades gerais dos discentes não têm mobilizado a categoria para se envolver no movimento político que discute e elege o dirigente máximo da Unicamp.
No primeiro turno da votação a atual gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) se limitou a convocar os estudantes para um debate envolvendo os três candidatos.
No segundo dia de votação, a entidade divulgou uma nota em que justificava o voto nulo no processo.
Em nota, a entidade clama voto nulo, entre outras razões porque seria uma consulta indireta. Como a palavra final é do governo, o voto não teria tanta validade.
“Considerando o próprio caráter da consulta para reitoria, isto é, uma consulta que resulta em uma sugestão de chapa para posterior escolha do governador não se compara ao regime das eleições diretas que resultam na escolha dos governantes do país”, discute o documento.
Além do DCE, assinam a carta os centros acadêmicos de ciências humanas, de filosofia, de pedagogia, de artes, de computação, de engenharia de alimentos e de linguagens.
A gestão da Associação de Pós-graduação (APG) da Unicamp também declarou, ainda que não de forma pública, que não vai apoiar nenhuma das chapas. A entidade tem feito uma série de debates com os reitoráveis, mas não promoveu nenhuma campanha para estimular a participação estudantil explicitando uma posição crítica e determinada, ainda que fosse pelo voto nulo.
Ambas as entidades centrais, o DCE e a APG, relatam que o programa político de ambas as chapas vai contra o interesse da comunidade universitária e contra o projeto de uma universidade pública e comprometida socialmente. Por isso, descartam o apoio a qualquer chapa.
Contudo, perante o histórico de ausência dos estudantes, seria esperada uma forte campanha pelo comparecimento dos estudantes às urnas, independente de as mobilizações se direcionarem para apoio de uma chapa específica ou não.
Mesmo se tratando de anular o voto, se contrapondo a ambas as opções, a participação discente se faz necessária. Afinal, apesar das claras limitações do modo de votação, que permite maior peso aos votos docentes e preserva apenas o caráter consultivo, seria dever das entidades conclamar os estudantes à participação. Os estudantes precisam fazer parte deste processo inclusive para forçar uma luta por um processo mais democrático, em que seja abolida a disparidade de pesos por categorias e a possibilidade de intervenção do governo.
Perante posição contrárias a ambas as chapas, a ação das entidades deveria ser de adotar uma postura firme e clara, inclusive bancando uma campanha pelo voto nulo, e não uma posição acanhada e comedida.
Se ambos os candidatos não representam os anseios estudantis, isso deve ser explicitado nas votações desta quarta e quinta-feira, tanto para a comunidade universitária quanto para os candidatos.
Afinal, o que está em discussão é se esta é uma eleição em que os estudantes podem seguir se ausentando, ainda que tal abstenção seja “justificada”. Ou se pode ser esta uma eleição em que os estudantes deixem sua marca de repúdio às candidaturas e ao decadente sistema eleitoral vigente.
Vote nesta quarta e quinta-feira
O segundo turno da eleição para reitor acontece nesta quarta (24) e quinta-feira (25). A votação será eletrônica, como no primeiro turno, e acontece através do e-mail institucional.
Disputam o segundo turno:
Chapa Construindo o Amanhã: Tom Zé, para reitor, Maria Luiza Moretti, para vice.
Leia o programa da gestão clicando aqui.
Chapa Harmonia. Ousadia. Responsabilidade: Mario Saad, para reitor, Marco Aurélio Zezzi Arruda, para vice.
Leia o programa da gestão clicando aqui.
Resultado do primeiro turno
Votos por categoria aos candidatos a reitor da Unicamp
Candidato | Docentes (peso 3/5) | Estudantes (peso 1/5) | Funcionários (peso 1/5) | Votos ponderados |
Tom Zé | 614 | 1.367 | 1.531 | 35,24% |
Mario Saad | 527 | 610 | 2.003 | 32,62% |
Sérgio Salles-Filho | 611 | 1.086 | 916 | 32,14% |
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