Na semana em que o Brasil registrou consecutivos recordes de mortes — atingindo, na última quarta-feira (10), mais de 2,3 mil mortes por Covid-19 —, profissionais de saúde por todo o país têm divulgado relatos de angústia e desespero frente a sistemas à beira do colapso.
Na última segunda-feira (8), apenas duas capitais estavam com uma taxa de ocupação de UTIs menor do que 80%. Inúmeros são os hospitais que já não possuem capacidade de leitos, equipamentos e medicamentos necessários para realizar a internação, exigindo a transferência de pacientes para outros hospitais de outras cidades e, até mesmo, de outros estados. Quando não há possibilidade de transferência, formam-se filas de espera que em algumas cidades já ultrapassam as centenas.
Dentre os relatos de profissionais da saúde que circulam através de redes sociais e entrevistas concedidas a diversos portais, seja da rede pública ou privada, há denúncias de que o aumento de leitos não foi seguido do aumento de contratações, ocasionando a sobrecarga dos trabalhadores.
Além da sobrecarga do próprio trabalho em si, as condições para o tratamento dos pacientes tornaram-se cada vez mais precárias com o aumento vertiginoso dos casos. Há hospitais em que não há capacidade de oxigênio que permita mais internações, em que há falta de leitos de enfermaria — de modo que se precisam improvisar leitos com poltronas. Também há relatos sobre falta de relaxantes musculares — tornando a intubação um processo doloroso em que o paciente acaba resistindo à respiração mecânica.
Os respiradores, equipamento o qual muitos governantes investiram esforços para aquisição, ainda não são suficientes para muitas cidades. A diretora do Hospital Universitário de Londrina, Vivian Feijó, por exemplo, teme que precisem começar a escolher dentre os pacientes que possuem mais chances de sobreviver. O HU é a segunda maior unidade de saúde do estado do Paraná.
Em Florianópolis, capital de Santa Catarina, mais de 800 trabalhadores da saúde redigiram uma carta exigindo que a prefeitura decrete lockdown por 14 dias.
“A situação em que atualmente estamos, com mais de 400 pessoas em fila de espera para internação em UTI, é intolerável! A cada dia temos novo recorde de mortes. Estamos presenciando a morte de pacientes, amigos e familiares a todo momento, em alguns casos, em situação desumana, sem o contato com a família, sofrendo por falta de ar nos hospitais, UPA’s e Unidades Básicas de Saúde. O oxigênio está a ponto de acabar e já vêm faltando em várias unidades de saúde. Já não conseguimos mais vagas para transferência de pacientes graves das unidades de saúde para os hospitais. Não conseguimos mais suportar tamanho sofrimento que estamos presenciando!”
Em Araraquara, cidade de São Paulo que passou por um completo lockdown por três dias — que incluiu fechamento de mercados e outros serviços essenciais —, em fevereiro, os profissionais de saúde têm apresentado desgaste físico e mental extremo, com dificuldades para dormir e medo.
Os trabalhadores compartilham também a percepção de uma mudança no perfil de pacientes internados. Desde fevereiro, os pacientes internados têm sido mais jovens, na faixa de 30 a 40 anos de idade.
Devido a impossibilidade da família em manter contato direto com o paciente, acaba ficando aos próprios médicos, enfermeiros e demais profissionais o contato direto com as famílias, atualizando os quadros de saúde e até mesmo promovendo os últimos encontros virtuais antes do procedimento.O desgaste de perder pacientes tem se tornado cada vez mais doloroso, tendo em vista que a tragédia, na atual magnitude, poderia ter sido evitada. É comum em todos os relatos de trabalhadores da saúde a necessidade de políticas voltadas à prevenção do contágio — desde o incentivo ao uso de máscara e isolamento a decreto de fechamento de atividades não essenciais e lockdown.