Selma Borghi Venco é professora na Faculdade de Educação da Unicamp, no Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais (DEPASE); Pesquisadora associada do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (CRESPPA) e Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE); A Nova Gestão Pública e as relações de trabalho praticadas no setor público educacional paulista têm sido focos privilegiados de estudos e pesquisas desde 2010. Atualmente desenvolve estudo comparativo Brasil-França sobre o mesmo tema.
Por que meu professor não é negro?
12 de janeiro, 2021 Atualizado: 09:42
A leitura do livro de Bernardine Evaristo “Mulheres, garotas e outras” (Cia. das Letras, 2019) traz um debate pungente sobre identidade, racismo, preconceito, feminismo, gênero, mundos do trabalho, o rural e o urbano e tantos outros temas articulados à trama escrita com sagacidade e delicadeza.
Me inspiro no título da coluna de uma das personagens que escreve em um jornal universitário: “Por que meu professor não é negro?” (p.83) e por essa razão não o faço segundo minha opção que seria: Por que minha professora não é negra? dada a feminilização da profissão.
Tenho me dedicado a pesquisar o trabalho dos profissionais da educação no setor público, especialmente professoras e professores e as formas de precariedade nas relações de trabalho, que desaguam em processos de precarização das condições de vida. Em estudo[1] que desenvolvo atualmente articulo a flexibilização na contratação de professores da educação básica nas redes estaduais de todo o país ao sexo, à cor, à idade e ao território em que trabalham.
Desde cedo estudamos em geografia a população brasileira (ou será que o tema não é mais abordado?) e aprendemos que o Brasil é um país negro e pardo; e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) reafirmou, em 2019, que pouco mais de 4 em cada 10 brasileiras e brasileiros se autodeclaram brancos.
Mas, o Brasil com seu passado escravagista construiu e alimentou o racismo e suas diversas facetas, entre elas a cultura do branqueamento. Convido a relembrar a frase proferida por Ronaldo, fenômeno, em 2005: “Eu, que sou branco, sofro com tamanha ignorância. A solução é educar as pessoas”[2], uma ilustração do que intenciono refletir.
Os dados sobre a cor dos docentes no Brasil apontam que esses são majoritariamente brancos, mesmo em estados com população negra e parda predominante. E, ainda: estão mais presentes entre os concursados e, portanto, nega uma série de estudos que indicam o predomínio de negros e pardos no mercado informal e em ocupações e profissões com baixa remuneração e prestígio social.
Tal constatação a partir dos dados estatísticos suscita diversas questões: a) historicamente os negros e pardos tiveram acesso restrito ao nível superior no país e, portanto, se reflete na profissão. Mas, mesmo com políticas de ampliação de vagas nas universidades federais, do Programa Universidade para Todos (PROUNI), Financiamento Estudantil (FIES), das mensalidades módicas nas faculdades privadas entre outros, ainda assim, os negros e pardos estariam fora dos bancos universitários e, consequentemente, não integrariam a docência?; b) os docentes teriam tendência ao autobranqueamento? E, então, a educação teria fracassado na construção do pensamento crítico sobre cor e etnia e não logrado êxito em destruir a construção social de séculos, inclusive entre aquelas e aqueles que optaram pela profissão de educar?; c) os responsáveis pelo efetivo preenchimento do censo escolar negligenciam o preenchimento do dado assinalando a “resposta certa”? Ouço o depoimento de uma professora: ela relata que ao ingressar como docente na educação básica estadual paulista, preencheu o cadastro funcional na escola e assinalou cor negra. A secretária corre em sua direção, pois ela havia indicado a resposta errada.
Até aqui apresentamos dados que demonstram serem brancos os professores e professoras no Brasil. A quem teve acesso ao ensino universitário fica a indagação: quantas professoras e professores negros ou pardos você teve ao longo do curso?
[1] Pesquisa financiada pela FAPESP, processo nº 2019/01552-3.
[2] Constante no processo N.º 70057658593. Disponível em < www.mprs.mp.br › adins › arquivo › parecer> Acesso em 06.jan.2021.
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