Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, faleceu nesta quarta-feira (30) aos 88 anos, em função de complicações de um acidente cardiovascular (AVC). O falecimento ocorreu um dia depois do aniversário da primeira publicação de sua mais famosa criação, a personagem Mafalda. A questionadora menina apareceu pela primeira vez em uma tirinha na revista Primeira Plana, em 29 de Setembro de 1964.
A personagem Mafalda, que o consagrou internacionalmente, rendendo inúmeras publicações, prêmios e homenagens, também é amplamente adotada até hoje por movimentos por direitos, de contestação e resistência, em função de ser uma personagem que nasceu em um contexto ditatorial argentino com um caráter questionador de diversos aspectos da vida social.
É uma referência que faz parte da formação crítica de forma direta e indireta de inúmeros adultos e jovens de hoje. Contudo, o vasto trabalho de Quino e seu caráter crítico, em 60 anos de produção gráfica, vai muito além desta personagem.
O cartunista se considerava socialista e recheava suas tiras de sátiras e críticas sociais contundentes acerca dos modos de vidas e das questões candentes da vida política do seu tempo.
Quino passou por diversas ditaduras na Argentina, foi anti-fascista mas também anti-peronista (movimento reformista dito de “centro-esquerda”) e em 1976 precisou se exilar em função da ditadura instaurada no mais intenso entre os ciclos de golpes que seu país viveu.
Seu trabalho é um marco também, pois ganha destaque justamente em um momento de invasão cultural estadunidense na área gráfica da Argentina, que estava levando ao fechamento de diversas editoras nacionais e à decaída de obras célebres nacionais que antes ocupavam as bancas de jornais.
Quino marcou gerações com um cartunismo sátiro e político refinado, fazendo questionamentos por vezes a frente de seu tempo. Seu caráter crítico foi alvo de tentativas de censura no Brasil, Chile, Bolívia e Espanha. Neste último país, a ditadura franquista obrigou editores a rotularem a capa do primeiro livro de Mafalda como uma obra “para adultos”.
Um pouco da trajetória de Quino
Filho de imigrantes espanhóis republicanos e com uma avó comunista, Quino nasceu em 17 de Julho em 1932, na Argentina. Começou a desenhar aos três anos, influenciado pelo tio de mesmo nome, que era pintor e desenhista publicitário.
Aos 14 anos decidiu que queria trabalhar com desenhos e entrou entrou para a Escola de Belas Artes de Mendonza, seguindo para a Faculdade de Belas Artes, mas aos 18 abandonou seu curso para se voltar ao cartunismo e ao humor gráfico. Apenas três anos depois de se instalar em Buenos Aires e buscar espaço para o seu trabalho em jornais e revistas é que teve sua primeira publicação aceita, na revista Esto Es.
Em 1963 lançou seu primeiro livro, Mundo Quino, se tratando de uma recompilação de quadrinhos de humor mudos. Logo em seguida criou sua personagem mais famosa, Mafalda, que recebeu esse nome em homenagem a uma das personagens do romance Dar La Cara, de David Viñas.
Inicialmente ela havia sido inventada para um trabalho publicitário, para a marca de eletrodomésticos Mansfield. Entretanto, como a peça publicitária acabou não dando certo, a personagem ficou guardada e o cartunista a retomou ao ser convidado para publicar na revista Primera Plana, que era uma revista de caráter crítico da atualidade argentina e internacional.
A partir de 1965, Mafalda começou a ser publicada no jornal El Mundo, onde foi consolidada as publicações da personagem questionadora tal como a conhecemos, e posteriormente na revista Siete Días Ilustrados.
Criada durante o período de ditadura militar na Argentina, Mafalda por vezes expressava críticas sutis ao regime. A sopa a qual se indignava nas tirinhas, na verdade era uma alegoria para tratar da ditadura.
Após quase 10 anos de trabalho quase exclusivos com a personagem, publicada em quase 2000 tiras, Quino encerrou as publicações da mesma, pois dizia se sentir preso a sua produção e sem mais ideias para tirinhas com a personagem. A última tirinha da Mafalda foi impressa em 25 de junho de 1973.
Entretanto, a personagem continuou fazendo sucesso e se consagrou principalmente a partir desse período, pois foi aberta a publicação das tiras a vários outros jornais pequenos argentinos, o que permitiu sua maior difusão. Internacionalmente também teve grande repercussão e chegou a ser publicada em mais de 30 países.
Em 1976, Quino e sua esposa foram forçados a procurar exílio da ditadura argentina em Milão, na Itália, onde continuou realizando seu trabalho. Seus inúmeros personagens ao longo de 60 anos de trabalho tocaram em importantes temas, realizando sátiras do mundo moderno, dos militares, da burocracia, das relações de poder, das desigualdades sociais e das hipocrisias vigentes, das problemáticas ambientais, da vida familiar, entre outras questões.
Em 1984, Quino cria os Quinoscopios, que são uma série de curta-metragens de animações de seus desenhos e ideiais, junto do diretor cubano Juan Padrón. Eles são facilmente encontrados no Youtube.
Em função dos problemas de visão que estavam lhe acometendo, Quino precisou parar de desenhar em 2009.
Quino no Brasil
O trabalho do cartunista chegou no Brasil em 1973, em plena ditadura, através da publicação de uma tirinha de mafalda quando ele já havia encerrado novos desenhos da personagem. Posteriormente vários de seus livros foram publicados no país: “Bem, obrigado, e você?” (1976), “Deixem-me inventar” (1983), “Quinoterapia” (1985), “Cada um no seu lugar” (1986), “Sim, amor” (1987), “Potentes, prepotentes e impotentes” (1989), “Humanos nascemos” (1991), “Não fui eu!” (1994), “Que gente má!” (1996), “Quanta bondade!” (1999) e “Que presente inapresentável!” (2005).
O seu trabalho influenciou inúmeros cartunistas internacionalmente e também em nosso país ajudou a desenvolver diversas tirinhas de humor crítico. Inúmeros cartunistas brasileiros lhe renderam homenagens no dia de ontem, entre eles Laerte Coutinho, Angeli, André Dahmer e Carlos Latuff.
Esta é uma grande perda para todos aqueles que acreditam no papel de uma arte crítica. Que o trabalho de Quino ainda sirva de legado e inspiração para as muitas gerações que ainda estão por vir depois das nossas. Obrigada por tudo, Quino!
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