A Universidade de Guarulhos (UNG) foi constituída antes dessa deforma na educação. Ainda se enquadra na perspectiva de que seja pública ou privada as instituições deveriam seguir o rito do reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) e se enquadrar em normas gerais, nesse caso, constituir o tripé caso a instituição privada quisesse ampliar seu rol de cursos oferecidos.
Mas a década de 1990 isso muda. Com a LDB de 1996 surge os Centros Universitários como alternativa para ampliar e criar novos cursos, e assim o crescimento de faculdades, centros universitários e o uso ilegal da letra “U” gera as “Uniesquinas” onde a cada buraco urbano brotavam instituições de ensino superior privado, ampliando a concorrência e levando os governos a criar seu apoio financeiro estatal a esses grupos, assim FIES e PROUNI surgem.
Na travessia de século, o setor corporativo avança sobre a educação como novo filão de lucratividade, corporações educacionais privadas fazem lobby na Organização Mundial do Comércio (OMC) pela mudança das constituições dos países membro, alterando a condição da educação de direito para serviços. A mudança da palavra, muda o conceito e permite a entrada desse capital sobre os públicos e as políticas educacionais dos países.
O que acontece com a UNG? Até 2014 pertencia a um grupo familiar capitalista, tradicional e não menos explorador, atuava na lógica empresarial acumulando inúmeras denúncias no sindicato dos professores que geraram ações judiciais em vários aspectos envolvendo benéficos, direitos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), entre outras.
Mas, em 2015 ocorre subitamente a venda a UNG para o grupo Ser Educacional, empresa educacional de outra lógica corporativa e com presença na Bolsa de Valores, torna alunos/as e professores/as em ativos do mercado financeiro.
As primeiras medidas foram sentidas com a demissão de professores mais antigos (de salários altos, acumulados pelo seu tempo de trabalho e dedicação), alteração das matrizes de ensino que limitou algumas disciplinas ao período de 21h55, para não pagar o adicional noturno, reduzindo o tempo de conhecimento a ser apreendido pelos alunos/as, problemas antigos se reproduziram com erros constantes nos pagamentos e benefícios, ampliação dos cursos EAD, controle da folha de entrada dos professores, enfim, uma nova lógica empresarial se instalou em detrimento da qualidade do ensino.
Ao longo desses anos a intervenção também se apropriou da produção docente com a retirada da sua autonomia sobre a segunda avaliação do semestre, que no modelo de prova colegiada obriga que os professores a elaborarem um número determinado de questões, seguindo um modelo de prova que segue a domesticação do aluno/a para as avaliações do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE’s) feitas pelo MEC, além de armazenar em um banco de questões de onde os próprios professores não têm conhecimento do seu uso posterior.
A burocratização e falta de apoio aos professores tem sido uma constante na rotina, na falta de ampliação do laboratório de apoio, muitos (as) trazem seus próprios equipamentos para fazer atividades da instituição, o retrabalho na entrega de provas e planilhas de notas coloca em xeque a função do portal do professor, gerando dúvidas sobre o árduo trabalho docente, a troca constante de funcionários de apoio na secretaria da sala dos professores e as condições estruturais dos campus Bonsucesso e Itaquaquecetuba expressam a falta de atenção aos professores (as).
E as demissões e a alta rotatividade tem sido a rotina da vida dos professores e professoras da UNG, num ato de total descartabilidade do profissional docente.
Em meio a pandemia a UNG iniciou, como muitas instituições de ensino, o trabalho remoto desde o mês de março respeitando os decretos federal, estadual e locais que garantiam o isolamento social como medida preventiva ao COVID-19.
Seguimos o primeiro semestre de 2020 e avançamos para o segundo ainda sem a possibilidade de um retorno que preservasse a saúde de todos e todas, porém, em agosto fomos surpreendidos por uma mudança didática, com a implantação de um modelo de ensino híbrido, que representou o corte de horas-aula, perda de parte da autonomia sobre o conteúdo das disciplinas e contratação de tutores de baixo custo para uma suposta dinamização do ensino que na verdade representa a racionalização do trabalho docente.
Não bastasse isso, os professores ainda foram surpreendidos por email com a alteração contratual de trabalho que deveria ser apenas uma formalidade que alterava o ensino presencial pelo remoto temporariamente até o retorno seguro das aulas presenciais.
Para o espanto de inúmeros colegas, o documento de quatro cláusulas isentavam de qualquer responsabilidade a instituição e se apropriava, sem prazo definido, de toda produção acadêmica, intelectual e de imagens dos professores e professoras. Sim, é isso mesmo que você, leitor e leitora está lendo, uma simples alteração contratual e temporária passou a ser uma forma ilegal de apropriação do trabalho docente.
Isso gerou indignação e dúvidas sobre o teor da alteração contratual e desencadeou uma organização dos professores (as) por meio virtual, se articulando e contando com o apoio do Sindicato dos Professores (SINPRO), reunimos nossa reclamação através de consultas jurídicas, nos reunimos em assembleia virtual e buscamos negociar com a instituição.
Tivemos como resposta da UNG que a proposta é imoral, mas não ilegal, porque atendia o que a deforma trabalhista do governo Temer e ampliada por Bolsonaro, propunham com relação a individualização das propostas trabalhistas, impedindo nossa ação coletiva enquanto professores (as) da instituição.
Por enquanto seguimos nos negando a assinar uma alteração contratual que nos prejudica e desrespeita a nossa formação docente. Acima de tudo somos pesquisadores e pesquisadoras, nos tornamos especialistas, mestres e doutores (as) acreditando no trabalho na educação. Formamos profissionais para o mundo do trabalho, para sociedade e para o país.
O mínimo é nossa dignidade docente e respeito a nossa formação e autoridade acadêmica.
As lições que estamos compartilhando é de solidariedade, apoio mútuo frente a depressão que tem atingido os colegas, espaço livre para avaliarmos e pensarmos os modelos didáticos e pedagógicos a que somos submetidos e que alternativas podemos construir juntos.
Ou seja, mesmo desvalorizados pelos donos da instituição, nos revalorizamos como docentes da UNG. E em respeito a avaliação positiva dos alunos (as) é que seguimos trabalhando e alertando que não há qualidade na formação profissional, sem nós professores (as).
* A identidade do professor será mantida em anonimato para preservá-lo de possíveis represálias
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