Nesta segunda-feira (24) foi publicado o primeiro caso clínico de reinfecção por Covid-19 na revista científica “Clinical Infectious Diseases”. Outros casos suspeitos de reinfecção já haviam sido relatados, mas até o momento o caso de Hong Kong recém publicado foi o que teve maior comprovação documentada.
O paciente de 33 anos reinfectado em menos de 5 meses por covid-19 foi testado novamente ao voltar de uma viagem à Espanha no dia 15 de agosto. Na coleta de amostra, foi verificada uma linhagem diferente do Sars-CoV-2 da anterior que acometeu o paciente pela primeira vez.
A reinfecção de acordo com o infectologista do Laboratório Exame David Urbaez é um comportamento esperado já que o mundo está acostumado a lidar com outros coronavírus com caráter endêmico. Entretanto, as condições, características e causas da reinfecção precisam ser explicadas. Abrem interrogações sobre a relação com uma mutação do vírus que pode enganar o sistema imune das pessoas que já contraíram a doença ou se a reinfecção ocorre porque a imunidade produzida pelo novo coronavírus não dura muito tempo e o mesmo vírus pode infectar a mesma pessoa mais de uma vez. Investigações sobre a imunidade cruzada, que verificam se há proteção contra o Sars-CoV-2 após a exposição anterior a outros tipos de coronavírus, já estão em andamento. No entanto, com as descobertas recentes ainda não se sabe se esta imunidade cruzada é suficiente para proteger uma pessoa. Terá então de ser montada uma máquina de epidemiologia, com dados e capacidade de sequenciamento viral.
A líder técnica para Covid-19 da OMS (Organização Mundial da Saúde) Maria Van Kerkhove, ressaltou em entrevista coletiva nesta segunda (24) a importância de documentar e realizar estudos, fazer o sequenciamento do genoma dos vírus para entender como a resposta funciona evitando respostas precipitadas. As investigações também são importantes porque implicam nas produções de vacinas, uma vez que se a imunidade após a infecção natural não for duradoura, possivelmente, a imunidade produzida pela vacina também pode não ser. Ainda que constatada como fenômeno raro, a descoberta pode indicar a possibilidade de o vírus circular na população sem ser eliminado, como um vírus sazonal da gripe, por exemplo. Ainda não se tem dados suficientes para compreender o impacto de uma reinfecção – pois ainda que o caso de Hong Kong tenha sido assintomático, outros trabalhos em laboratório mostraram que a reinfecção pode ser até mais grave, mais ou menos como acontece com a dengue.
No Brasil já há 20 suspeitas de novas infecções após os pacientes terem sido considerados curados da doença. Os casos brasileiros são investigados pelo Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sendo 16 suspeitas em São Paulo e outras quatro, no Rio de Janeiro.
A primeira apuração teve início em agosto, quando um estudo baseado no caso de uma enfermeira de 24 anos, feito pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). Entretanto, não foi possível fazer a análise genômica porque o material colhido do nariz da paciente havia sido descartado”, conta o médico Fernando Bellissimo-Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e um dos responsáveis pelo relato do início do mês.
Não há até o momento uma estimativa mais precisa de qual o potencial de transmissão do vírus a partir de uma pessoa infectada (taxa de transmissão), assim como quantos de nós precisamos estar imunes para que o Sars-CoV-2 pare de circular. E falta o principal: uma vacina, a maior garantia de imunização segura em larga escala.
Até o momento de publicação desta notícia, o Brasil registra 3,6 milhões de casos de Covid-19 e 116.580 mortes pela doença, segundo o Ministério da Saúde. Isso representa uma taxa de letalidade de 3,2% (a cada 100 pessoas doentes, pelo menos 3 morreram).
O processo de pesquisa científica atual continua em andamento e aponta a necessidade de olhar para as lacunas que estão antes mesmo da produção eficaz de vacinas. Por isso mesmo a compreensão de que as investigações levam tempo não devem ser ignoradas por ânsias de respostas rápidas.
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Foto: Reprodução Gazeta do Povo