Opinião
Lula Livre e os ataques à classe trabalhadora Brasileira
Após mais de um ano da efetivação da prisão do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva em um processo que passou por cima do que se considera o trânsito normal de um julgamento, baseado em provas incontundentes das acusações das quais era alvo, Lula foi solto na última sexta-feira, dia 08 de Novembro. Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 07 de Novembro, de que não é possível o cumprimento da pena sem a condenação por trânsito em julgado, os advogados do ex-presidente entraram imediatamente com o pedido de sua soltura, que foi aprovado pelo juíz Federal Danilo Pereira Júnior.
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Não há dúvidas de que todo o processo de prisão de Lula realizado no ano passado, serviu apenas para retirar do pleito eleitoral para a presidência da república o seu principal candidato – desde a absurda condução do que se pode considerar o trâmite de um processo penal, até a série de reportagens da vaza jato, onde o jornal “The Intercept” trouxe à tona as conversas de Moro e diversos juízes onde negociavam o andamento do processo e deixavam explícitas suas motivações; ficando aberto o caminho para que as frações mais radicais da direita pudessem melhor se colocar a serviço das reformas ansiadas pelos grandes capitais frente a crise econômica.
Entretanto, em meio ao contexto de soltura de Lula, seguimos presenciando cotidianas reformas e ataques, que não se esgotaram com sanção da Reforma da Previdência, entre elas: o lançamento de um pacote de medidas socioeconômicas gravíssimas, que tem entre alguns do seus efeitos a extinção de municípios, a perseguição a servidores públicos filiados a partidos, um maior estrangulamento dos recursos de saúde e educação, entre outros efeitos; a medida provisória do emprego verde e amarelo, que se propõe a taxar o seguro-desemprego, altera a CLT, incide sobre fiscalizações do trabalho e etc; a extinção do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) que tem entre as suas consequências uma maior perda de recursos para o SUS; a inserção de metas de desempenho para a distribuição dos recursos da atenção primária; o mega-leilão do pré-sal, entre outras privatizações que continuam sendo realizadas em grandes proporções; além de reformas que tem se dado no interior do ministério da educação, como a aprovação das diretrizes para a formação docente. É quase impossível acompanhar todas as calamitosas notícias cotidianas que demonstram a efetivação do desmonte do que conhecemos como forma de funcionamento deste país até então. Tudo isso seguindo sem um pio da autointitulada oposição.
A aprovação da Reforma da Previdência, sem nada que pudesse representar uma tentativa de resistência, deu fôlego para que se viesse com ainda mais força para cima de tudo o que um dia foi possível construir como fruto da luta de nossa classe. Ainda que muitas das resoluções que se encontram no âmbito dos direitos passem longe do que efetivamente poderia articular verdadeiras e efetivas saídas de uma vida digna para nós, é inegável que eles foram constituídos como resultado das pressões que um dia fomos capazes de realizar e com os fundos que representam muitas décadas de trabalho e suor dos nossos. Se hoje o país está sendo completamente reconfigurado, isto se dá em termos que passam largamente distantes das mudanças que nós precisamos, respondendo efetivamente ao que os capitais demandam para manutenção da sua dinâmica de dominação e exploração. E que não nos enganemos, quanto mais estes se fortalecem, maior ficam os desafios para enfrentá-los. Não se trata apenas do que nós perdemos e que certamente não poderá ser reconstituído; mas sim, de como nossos inimigos se fortalecem com o que retiram de nós. Estamos em um momento em que o único lado que acumula alguma força é o Capital, com exceção, talvez, dos países que se encontram em luta.
Desde o impeachment de Dilma, se entende que estamos sob um regime de golpe – mas não um golpe contra a figura messiânica destes representantes da falida democracia liberal – e sim, um golpe contra os direitos historicamente conquistados pela nossa classe, um golpe para poder realizar de forma ainda mais brutal saques do fundo público direto para o fundo privado, financeirizar instâncias da nossa vida nunca antes tocadas e reconfigurar a forma como o trabalho se estrutura no país, tudo a serviço da manutenção das taxas de lucro em contexto de uma crise sem um horizonte breve de melhora. Por isso, embora a soltura de Lula seja de uma justeza quanto ao que se deve defender nos trâmites de um processo jurídico, de resto, ela não significa nenhum passo atrás ou freio em tudo que está se efetivando agora. Pelo contrário, se dá justamente em um momento de intensificação das medidas de ataque. Sua soltura segue apenas expressando um significado de viabilidade eleitoral que a campanha por sua liberdade se resumiu a ser, e isso é deixado claro em todos os seus discursos desde que foi solto.
A decisão do STF acerca da prisão em segunda instância têm um significado importante para nós, tendo em vista a enorme parcela de população negra e pobre que é levada ao cárcere neste país, sem direito a um julgamento justo e com provas inconclusas. Entretanto, o encarceramento da população cumpre uma função estrutural neste país, de contenção de uma parcela do exército de reserva desempregado, que em momentos de crise se intensifica. Quando esta posição é revista por um Tribunal, sem ser de fato fruto de um processo de luta, como ela pode expressar mudanças significativas no conjunto da população?
De fato podem haver casos que se beneficiem, mas penso que a questão nesse momento, é se o estado apresenta alguma tendência de redução do encarceramento e de prisões irregulares. Paremos para observar a forma como têm funcionado a sua atuação nesse momento: nos países vizinhos onde expressivas manifestações de massas têm sido realizadas, contra as degradações das condições de vida que o Capital também têm imposto aos trabalhadores dessas nações, há inúmeros relatos de repressões, torturas, assassinatos, abusos, prisões arbitrárias, por vezes realizadas na forma de sequestros, inclusive. Aqui no Brasil, há as ameaças como a de retorno do AI-5, e mesmo as medidas que vêm se tentando aprovar para que se possa abertamente reprimir qualquer possível revolta que possa vir a existir nesse país, além do número constante de operações violentíssimas que estão a ocorrer de formas mais intensas nas periferias, com notícias quase cotidianas de assassinatos de crianças negras… Ao que parece, não se tem tido pudor em passar por cima do que se considera os mínimos preceitos quando se trata de criminalização, repressão e extermínio de trabalhadores em luta. O Capital não está de brincadeira e se precisar, vai passar com um trator por cima de nossa gente, estejamos revoltados ou não, para levar a cabo seu projeto de reorganização do país, de exploração profunda.
Embora Bolsonaro esteja conseguindo efetivar o projeto que envolve também a destruição dos nossos direitos, sem que nenhuma reação efetiva tenha se dado até o momento, a questão é que caso as coisas fiquem difíceis, caso a população brasileira possa vir a se cansar de tudo isto que está aí, as medidas de antecipação já estão sendo tomadas: seja a preparação do terreno da coerção, seja uma canalização da insatisfação para falsas esperanças em reparações por figuras conciliadoras, seja pela caricatura de uma atuação contra o sistema e o estabilishment, onde a revolta é captada justamente por aqueles que produzem as condições que lhe dão motivo de ser… O capital e os que estão a seu serviço estão fazendo suas apostas… já a esquerda brasileira: tem feito algo além da aposta na insustentável política parlamentar?
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