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Opinião

PEC da Transição e o furo no “teto de gastos”: a EC 95 precisa ser derrubada pelos trabalhadores

O conjunto de medidas que sustentam o Novo Regime Fiscal deve ser combatido

Montagem UàE/ Originais: Marco de Sá da Agência Senado e Foto de Domínio Público (Cortejo fúnebre do operário José Martinez, assassinado pela polícia durante a Greve Geral de 1917. Acervo História da Industrialização)
Por Flora Gomes, redação do Universidade à Esquerda
21 de dezembro, 2022 Atualizado: 16:02
  • A PEC da Transição

A Câmara dos Deputados terminou a votação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição. O texto amplia em R$ 145 bilhões de reais o teto de gastos para o ano de 2023. A medida cria uma manobra orçamentária para desviar as regras orçamentárias estabelecidas pela EC n˚ 95, aprovada em 2016. Essa medida constitucionalizou a redução do investimento do Estado em políticas sociais pelos vinte anos seguintes. Na tarde de ontem (20/12) o texto foi aprovado por 331 votos favoráveis contra 168 votos contrários. Hoje (21/12)  foram votados os destaques.

O Congresso deve direcionar cerca de R$ 75 bi para reforçar o orçamento do Bolsa Família; cerca de R$ 6,8 bi para o aumento real do salário mínimo; R$ 22,7 bi para o Ministério da Saúde; R$ 18,8 bi para o Ministério de Desenvolvimento Regional e R$ 12,1 bi para o Ministério de Infraestrutura. 

Alguns setores das classes dominantes – como tem sido estampado nas manchetes de jornais burgueses como “A Folha de São Paulo” –  criticam a proposta devido à preocupação com o chamado “equilíbrio fiscal”, ou seja, de que os investimentos em políticas sociais comprometam o pagamento realizado pelo Estado em juros e amortização da dívida. Esses setores têm se referido à medida como “PEC da Gastança”. Outros setores dominantes – principalmente ligados ao Partido dos Trabalhadores –  afirmam que a PEC da Transição é o único mecanismo que permitiria ao próximo governo investir em algumas políticas. Sem ela, não seria possível cumprir com o pagamento de alguns programas sociais defendidos pelo candidato eleito à presidência durante a campanha, como o  Bolsa Família no valor de R$ 600 mensais, do Auxílio Gás e da Farmácia Popular. 

Entretanto, essas medidas devem ser enfrentadas no seu significado para a nossa classe. O teto de gastos deve ser revogado porque ameaça a existência de muitos dos nossos.

  • Por que a Emenda Constitucional 95 deve cair pela força da classe trabalhadora?

A EC do teto de gastos constitucionalizou em 2016 o Novo Regime Fiscal, no qual os investimentos primários (que excluem as despesas financeiras) ficaram congelados pelos vinte anos seguintes – até 2036, submetidos apenas à correção inflacionária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. Na prática, trata-se de uma forma de estagnar os investimentos em diversas políticas sociais por duas décadas para garantir os compromissos com o pagamento de juros e amortização da dívida.

Segundo reportagem da BBC News Brasil, o Governo Bolsonaro furou o teto de gastos estabelecido pela EC 95 em R$ 794,9 bilhões entre 2019 e 2022 por meio de autorizações obtidas no Congresso. 

A PEC da Transição também visa aprovar medidas para ultrapassar os valores definidos peloo Teto de Gastos. Ainda que seja de interesse da classe trabalhadora que haja mais investimento do Estado em políticas sociais, na prática, as classes dominantes estão criando condições para que o limite imposto pela EC 95 possa ser furado quando interessa conjunturalmente a esses setores, sem que seja colocada em questão a raiz dessa medida.

A EC 95 implementa o Novo Regime Fiscal no país, resultado de uma série de ajustes realizados na década de 1990 – sobretudo no que constituiu as bases do Plano Real – bem como dos ciclos de crise enfrentados pelo Brasil principalmente ao longo dos últimos quinze anos. Esse conjunto de alterações implica em uma mudança na organização do Estado, ou seja, altera o regime de dominação de classes, estabelecendo um conjunto de medidas do alto contra a classe trabalhadora. 

Com a EC 95, também foram apresentadas quatro importantes reformas: (1) a Reforma Trabalhista (aprovada em 2017) – que retirou direitos históricos estabelecidos no regime de trabalho da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT); (2) a Reforma da Previdência – que aumentou o tempo de contribuição dos trabalhadores dos Regimes Próprio e Geral da Previdência; (3) a Reforma Tributária – que visa pesar ainda mais a tributação de produtos para a classe trabalhadora; e (4) a Reforma Administrativa – que visa rebaixar as condições de trabalho dos servidores públicos. As duas últimas não foram aprovadas, mas têm sido fortemente defendidas pelas classes dominantes.

Os constantes “furos” no teto de gastos evidenciam a insustentabilidade dessa medida. Isso é reconhecido até mesmo pelos próprios setores dominantes, quando se articulam para não respeitar as limitações impostas. Entretanto, nos parece  insuficiente que uma medida dessa magnitude e com consequências duras para a classe trabalhadora como as causadas pela Emenda Constitucional 95, esteja na pauta apenas pelos governos de ocasião e ainda, quando os convém.  Enquanto nos bastidores da cada sessão no Congresso as classes dominantes se articulam, estabelecem conflitos, negociações e definem os rumos de medidas como essa, a classe trabalhadora parece determinar muito pouco a direção de processos tão importantes como é a diretriz orçamentária do Estado.

A EC do teto de gastos deve ser enfrentada na sua raiz, abarcando o conjunto de implicações que advém dessa alteração constitucional nos mecanismos de dominação de classe. Para nós, o enfrentamento à EC 95 está atrelado ao combate das reformas que visam ajustar o conjunto da classe trabalhadora a patamares que beiram a barbárie: cada vez menos políticas sociais e direitos em nome de garantias aos capitais.

É fundamental que essa seja uma das batalhas enfrentadas pelos trabalhadores no próximo período. É de extrema importância que a classe trabalhadora seja capaz de recuperar sua capacidade organizativa para enfrentar as diversas violências impostas pelas classes dominantes ao longo dos últimos anos no Brasil. A revogação da EC 95 nos parece uma pauta fundamental para construir alicerces nesse sentido.

Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.


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