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Opinião

Privatizações: o que significam para a classe trabalhadora e como estamos reagindo

Imagem: Domínio público
Por Beatriz Costa, redação do Universidade à Esquerda
08 de agosto, 2019 Atualizado: 17:30

O ministro da economia, Paulo Guedes, não hesita ao declarar o desejo de vender todas as estatais do Brasil. Com o rápido avanço dos processos de privatização da Transportadora Associada de Gás (TAG), da BR Distribuidora e da Liquigás, outras empresas como os Correios e a Eletrobras também estão no programa de desestatização. Nessa onda de privatizações que enfrentamos com o governo Bolsonaro, a opinião pública é variada, apesar de a maioria das pessoas rejeitarem a privatização.

Neste contexto nos cabe debater o que significa para o povo brasileiro, uma empresa pública de setor estratégico ser privatizada.

Diversas estatais foram criadas ou propostas no governo Vargas, como parte de um plano de desenvolvimento nacional e fortalecimento da soberania do Brasil. Empresas como a Vale do Rio Doce, Eletrobrás e também a Petrobrás, a partir da campanha o petróleo é nosso.

Soberania pode ser entendida como o poder absoluto e perpétuo de um estado-nação em relação a outros países. Formalmente, o Brasil é um país soberano e independente. Porém, na prática, nossa soberania pode ficar fragilizada quando delegamos o controle de setores estratégicos, como o transporte a energia, à iniciativa privada. Quem detém estes ativos, pode ter um poder de barganha que deixa o país e sua população mais vulnerável.

Tal qual o cercamento dos campos comuns na Inglaterra do sec XVIII, a privatização de empresas públicas pode ser entendida como uma forma de acumulação primitiva. Ou seja, mais uma forma de expropriação dos trabalhadores. Uma riqueza que foi construída pelos e para os trabalhadores é transferida ao capital e usada para iniciar um ciclo mais intenso de acumulação capitalista.

Analisaremos o exemplo da privatização da rede de postos de gasolina BR Distribuidora, a segunda maior empresa do Brasil. A venda dos seus ativos foi anunciado no mês de julho e logo depois, Rafael Grisolia, diretor-presidente da companhia, ressaltou que, com a privatização, o objetivo é que a empresa seja mais rentável.

O aumento da rentabilidade da companhia é anunciado como uma coisa positiva. Porém, do ponto de vista da classe trabalhadora, não há nenhum interesse em que a BR Distribuidora, após a sua privatização, seja mais rentável. Os únicos beneficiados com a alta rentabilidade da empresa serão seus acionistas. E os únicos prejudicados serão os trabalhadores.

Para os usuários de automóveis, o maior interesse é conseguir adquirir combustível de qualidade a um preço acessível. Para os trabalhadores da empresa, o maior interesse é conseguir trabalhar em condições dignas, com salários adequados. Para os moradores de cidades pequenas e rurais, o maior interesse é acessar um posto de combustível próximo a sua residência ou local de trabalho. Para a população brasileira em geral, o maior interesse é que a distribuição de combustíveis seja tratada como o setor estratégico que de fato é, que tem o potencial de alavancar ou travar a economia de um país.

Outro ponto que interessa a toda a classe trabalhadora é a importância que a empresa dá à segurança do trabalho e de suas estruturas físicas. Os recentes rompimentos de barragens nos mostram as consequências de uma empresa economizar na segurança de suas estruturas, privilegiando o lucro dos acionistas. A Vale privatizada foi responsável pelo maior “acidente” de trabalho do mundo no começo deste ano. O rompimento da barragem em Brumadinho matou mais de 300 trabalhadores e o rio Paraopeba. Diversos relatos e documentos comprovam que a Vale sabia dos riscos e mesmo assim não agiu em prol da segurança, pois o objetivo sempre foi e continua sendo a maximização dos lucros, o aumento da rentabilidade da empresa.

Apesar de tudo isso, o plano de desestatização do governo tem sido executado sem grandes interferências. Os processos estão sendo tocados com poucas mobilizações contrárias e pouca atenção da mídia. O UàE conversou com Arthur Ragusa, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindipetro São Paulo, que falou um pouco sobre a privatização da BR Distribuidora e a atuação dos sindicatos nesse processo.

Ragusa ressaltou a importância da rede de distribuição de combustível da BR, como subsidiária da Petrobrás, para o abastecimento a população e infraestrutura de logística para escoamento da produção.

Ele teme que com a privatização da BR, se estabeleçam monopólios regionais em parceria com as refinarias que também serão privatizadas. Isso poderá ser um tiro de morte para a Petrobrás. Existem análises de que em dois anos a Petrobras pode quebrar sem a BR. Ressalta a perda de soberania e de capacidade de realizar políticas públicas com o preço do combustível, como o controle da inflação. Ele considera a privatização da BR Distribuidora como a amputação de uma das pernas do estado.

Sobre a atuação dos sindicatos no processo de privatização da BR, explica:

“Quem atua na distribuição é representado pelo sindicato que representa comercio de derivados e derivados de minérios em geral, que é um pessoal que eu conheço pouco, são poucos sindicatos que a gente tem contato, só alguns que são do nosso campo, da CUT ou centrais parceiras. Já fizemos algumas coisas juntos, mas nesses últimos anos teve uma fragilidade grande de organização dos trabalhadores da BR, a gente até pensou bastante se a gente deveria começar a ir atrás desse pessoal, representar eles mesmo, mas sempre dentro de uma… tentar fazer uma parceria primeiro com o sindicatos, mas se caso não conseguisse, ir pra cima da representação. Mas é uma coisa que ficou parada no ar, não avançou, ficou frágil e um pouco desse marasmo, dessa falta de resposta pra esse processo nesse momento é fruto disso, dessa desorganização. Medo, o pessoal está morrendo de medo de ser demitido, agora o grupo privado o que vai fazer com os trabalhadores, vai ter demissão com certeza, eles vão reduzir, vão enxugar folha de pagamento, reduzir benefícios, vai ser terrível pro pessoal da BR. O duro é isso, a organização ficou frágil.”

Sobre outras possibilidades de atuação do sindicato:

“Não dá pra contar com isso porque a gente sabe que é mais paliativo, mas entramos com duas ações civis públicas na justiça para tentar barrar a venda da BR. O refino ainda não começou a privatização, tá anunciado. Quanto mais tempo conseguirmos segurar a Petrobrás, mais fortes ficamos para tentar resgatar a BR, pois a Petrobrás tem quase 40%, então temos uma janela aberta. Temos que resistir, organizar, pra chegar no melhor nível de mobilização adesão possível para as nossas ideias, para o que a gente enxerga para o setor. Tentar sobreviver nesse período que a gente torce pra ser uma mandato só, mas não sabe nem o que vai virar esse governo, esse regime, que virou uma coisa maluca, se conseguirmos sobreviver é possível resgatar, mas vai ser na porrada.”

* O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

Escute a entrevista na íntegra:

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